33,84%. Este valor, que representa pouco mais de 3 milhões de portugueses, aproximadamente um terço da população de Portugal, traduz a realidade da ida às urnas nas últimas Europeias, em 2014. Esta demonstração de desinteresse perante a Europa é preocupante, mas, de certa forma, compreensível. Tanto nas Legislativas como nas Autárquicas, a população sente impacto direto a curto-médio prazo. Nas Europeias tudo parece mais longe e pouco mensurável.
Nas eleições Autárquicas, a população sente uma maior proximidade do órgão governativo. Desde logo, pela proximidade aos candidatos que, muitas das vezes, são “filhos da terra” e de presença regular na vida dos cidadãos. Os candidatos são conhecidos a um nível pessoal, o que leva a população a fazer principalmente um voto individual e não partidário. O contexto é reduzido, pelo que facilmente se conseguem elencar alguns problemas do município e acompanhar a sua resolução.
Durante o período governativo de 4 anos, a população identifica com alguma naturalidade o que foi feito e aquilo que ficou por fazer. Exemplos práticos como uma nova estrada, reparações na via pública, obras aqui ou ali. Consegue acompanhar os projetos desde o seu início ao seu término e isso dá a sensação de que realmente se está (ou não) a fazer algo.
Nas eleições Legislativas esse impacto, embora noutros domínios, também acontece. São questões essencialmente económicas, financeiras ou sociais com impacto no quotidiano das famílias, prontamente identificáveis e sentidas na primeira pessoa.
Por outro lado, as eleições Europeias, dada a sua natureza, são uma névoa na consciência de muitas pessoas. Muitos não percebem bem os objetivos deste momento eleitoral. Existe a sensação de que estamos a eleger para a Europa e não por Portugal, e que o que os eleitos vão desempenhar a sua função “longe”, portanto a ligação ao nosso país é reduzida.
A fraca ida às urnas deve-se essencialmente por este distanciamento generalizado da sociedade perante as decisões tomadas no parlamento Europeu. Este distanciamento é gerado por diversos agentes em simultâneo.
Os cidadãos. A política assusta, mas todas as pessoas são diretamente impactadas por qualquer decisão politica. A descrença dos cidadãos nos agentes políticos – por todos os maus exemplos que tivemos – é legítima, mas ignorar não é, de todo, a solução. O povo tem o poder na mão e o distanciamento premeditado coloca em perigo a democracia. O cidadão tem o direito e o dever de se informar e manter informado, para assim compreender as decisões e os seus impactos. Quando existe uma amostra muito reduzida a exercer o direito de voto, os eleitos apenas irão representar uma pequena parte da população. Ao invés, quanto menor a taxa de abstenção, maior a representatividade do povo os órgãos governativos.
Os órgãos de comunicação social. A comunicação social é intitulada de o quarto poder do estado democrático. É da responsabilidade dos média divulgar todas as notícias, de forma clara e imparcial. A denominação de quarto poder provém da sua missão perante os cidadãos, que passa por manter uma postura independente face a qualquer grupo dominante, protegendo-os dos abusos de poder. Ora, nos períodos de campanha para as eleições, os media tradicionalmente organizam debates com representantes dos variados espetros políticos. Esta dinamização é altamente positiva, no entanto, quando falamos das eleições Europeias os debates são pouco orientados para temas europeus e acabam por debater essencialmente temas de política nacional. Cabe aos média clarificar a mensagem Europeia e promover um conjunto de ações (debates, entrevistas, reportagens) que alimentem o conhecimento da população num sentido positivo, dando liberdade aos cidadãos de pensar individualmente, de forma mais sólida.
Os agentes políticos — Enfim, aqueles que dão a cara. Os agentes políticos são, a meu ver, os principais “culpados” pela descredibilização da sua classe profissional. A nobre causa de defender o povo está muitas vezes manchada por alguns nomes que ultrapassaram a fronteira do legítimo. Como a confiança demora tempo a conquistar, esta luta durará alguns anos. Paralelamente a isto, os políticos — em especial nestas eleições Europeias — em campanha, debates ou intervenções falam muito pouco de Europa e demasiado de política interna. Grande parte destas campanhas baseia-se em bate-boca entre os candidatos, onde a troca de acusações ganha lugar aos argumentos. Quem assiste a um debate tem dificuldade em entender que se está em período eleitoral para as Europeias, e aquilo que deveria ser um sítio de troca de argumentos e ideias, transforma-se num ringue de boxe verbal, deixando as pessoas com pouca vontade de assistir.
Perante este cenário, se as pessoas não se sentem motivadas para votar e preferem virar a cara a estas eleições, assim vão continuar.
A política não pode ser uma realidade unilateral. A construção da sociedade acontece pela partilha de ideias e com o contributo de todos. Quem se alheia desta realidade, tem todo direito de reclamar e mostrar o seu desagrado. No entanto, a sua legitimidade pode ser questionada, pois uma relação não funciona quando apenas uma parte trabalha por isso.
A culpa tripartida que aqui menciono é o contrário daquilo que se pretende. O caminho tem de ser trilhado por todos os intervenientes. Sendo que esta uma mudança cultural demorará muito tempo a dar resultados, até lá, o valor 33.84% deverá continuar a embaraçar a sociedade.
Texto de André Cardeal Santos