Há poucos meses, Zuzana Caputova era uma estranha para os eslovacos e para o mundo. Quando começou a destacar-se nas sondagens, no início do ano, os políticos no Governo começaram a difamá-la. Chamaram-lhe “produto do marketing dos media” e “miúda inexperiente”. Mas a advogada de 45 anos capitalizou o descontentamento dos eslovacos que, embalados pelos protestos e pela onda anti-corrupção do último ano, a elegeram como a primeira mulher Presidente da Eslováquia.
Ser a primeira mulher no cargo na história do país não é o único marco da sua eleição. Europeísta, activista dos direitos dos homossexuais e favorável ao aborto, ecologista ávida, Zuzana Čaputová apresentou-se desde o início como uma alternativa ao que os eslovacos estão habituados, num país maioritariamente católico romano. É divorciada e mãe de dois filhos e durante a sua campanha destacou-se pelas críticas ferozes ao Governo e pelos apelos às causas ambientais e anti-corrupção.
É uma outsider na política e por isso, e pelas suas ideias reformistas, já a compararam a Emmanuel Macron e… com Erin Brokovich. Este último título ganhou-o por ter travado e vencido um caso de 14 anos contra uma empresa que queria construir um aterro ilegal na sua cidade natal.
A sua eleição histórica acontece depois da onda de protestos que encheu as ruas da Eslováquia no ano passado, na sequência da morte de Jan Kuciak, um jornalista de investigação e Martina Kusnirova, a sua noiva. Os homicídios foram atribuídos a um homem com ligações a altos responsáveis políticos do Governo, ligados ao partido Smer-SD, o grande derrotado destas eleições.
É que, apesar de ser nova no mundo da política, nestas presidenciais, Zuzana Čaputová enfrentou – e derrotou – um adversário de peso: Maros Sefcovic, de 52 anos, antigo Vice-Presidente da Comissão Europeia, actual comissário europeu da Energia e diplomata de carreira, apoiado pelo Smer-SD. Čaputová assegurou 58,4% dos votos, Sefcovic não conseguiu inverter a tendência da primeira volta, ganha também pela candidata e com mais de o dobro dos votos do seu opositor, e não foi além dos 45,59%.
“É possível não ceder ao populismo”, foi uma das primeiras frases de Zuzana Čaputová, ao reagir à sua vitória, acrescentando que os resultados provam igualmente que se pode “ganhar a confiança das pessoas sem recorrer a um vocabulário agressivo e aos ataques pessoais e acredito que esta tendência se confirmará nas eleições para o Parlamento Europeu [em maio] e nas legislativas no próximo ano”. A futura presidente eslovaca, que deverá tomar posse a 15 de junho, apelou também à união do povo eslovaco: “Procuremos o que nos une, coloquemos a cooperação acima dos interesses pessoais.”
O presidente cessante Andrej Kiska também já reagiu: “Muitos países provavelmente invejam-nos por termos escolhido uma presidente que simboliza valores como a decência. (…) A Eslováquia está a atravessar uma crise moral e tem falta de um presidente como Zuzana Čaputová”, acrescentou.
O primeiro-ministro, Peter Pellegrini, do Smer-SD, o partido que tantas vezes foi alvo da retórica anti-corrupção da nova Presidente eleita, disse apenas esperar “uma cooperação construtiva”.
A revolta que levou ao poder
Vários analistas políticos acreditam que a vitória de Čaputová se explica com o descontentamento popular face ao poder depois da morte de Jan Kuciak – recorde-se que o homicídio ocorreu quando o jornalista se preparava para publicar um artigo sobre as alegadas ligações entre os políticos eslovacos e a máfia italiana.
Nessa altura, os eslovacos saíram à rua e Zuzana Čaputová esteva entre os que protestavam. As manifestações, sem precedentes no país desde a queda do comunismo no início dos anos 90, tiveram fortes repercussões e levaram à demissão do primeiro-ministro Robert Fico (Smer-SD), que nunca conseguiu afastar as suspeitas a ele dirigidas quanto a um envolvimento indireto no caso que envolveu altos cargos políticos com ligações ao Governo.
Até agora, cinco pessoas foram detidas, entre elas o presumível homicida e um multimilionário com laços estreitos com o Smer-SD. Na quinta-feira passada, o Parlamento Europeu pediu à Eslováquia que continue a investigação do caso, “incluindo todas as possíveis conexões políticas”. Os eurodeputados expressaram “preocupação com a alegada corrupção, conflito de interesses, impunidade (…) em círculos de poder eslovaco”.
Zuzana Čaputová submeteu-se ao voto dos eslovacos prometendo lutar por uma justiça igual para todos, melhores cuidados para os idosos e maior protecção ambiental. Mas o descontentamento público contra a corrupção terá sido provavelmente o tema que mais capitalizou nas Presidenciais. Assim a Eslováquia contraria a tendência que viu políticos populistas e anti-Europa ganharem terreno.
Čaputová é membro do Partido Progressista da Eslováquia – partido liberal sem assento parlamentar – que ela prometeu abandonar caso fosse eleita. Nestas eleições teve o apoio da oposição, bem como o do atual presidente.
A advogada e activista que prometeu uma mudança total na gestão económica, política e social do país; defensora dos direitos da comunidade LGBT, praticante de yoga budista, ambientalista feroz e europeísta de valores progressistas vai tornar-se o quinto presidente da Eslováquia, um país com 5,4 milhões de habitantes, membro da zona euro e da NATO – desde que o país ganhou independência, em 1993, depois da divisão da Checoslováquia.