A história da fundação da União Europeia é conhecida por todos: no pós-guerra, o trauma e a necessidade de reconstruir boa parte do continente levou ao ressurgimento das ideias de comércio livre, supressão de fronteiras e união política que tinham animado boa parte dos políticos e intelectuais no início do século. A paz, a prosperidade e a democracia alcançar-se-iam de forma mais simples e duradoura se resultassem de um esforço conjunto de harmonização e concertação entre os Estados, acreditavam os fundadores.
Felizmente para todos, a ideia correu bem. A UE – que só ganhou esse nome em 1992 – tornou-se um importante espaço de desenvolvimento económico e cultural, para além de sempre tomar como bandeiras a defesa dos direitos humanos e a tolerância social, que consolidaram a sua imagem como projecto político dos valores liberais. Esse sucesso não passou despercebido aos seus vizinhos e os alargamentos sucederam-se em catadupa, partindo do centro para o norte e para o sul, numa primeira fase e depois, já neste século, desafiando a cortina de ferro em direcção ao leste.
O grande alargamento a Leste de 2004 foi um dos mais ambiciosos passos do projecto europeu: de uma assentada, dez países aderiram à União. Para além da proximidade geográfica, a maioria desses países eram também antigas repúblicas socialistas, alinhadas com o bloco soviético e, por isso mesmo, recém-democracias no momento de adesão.
Os diferentes países tomaram de diferentes formas essa história comum: se a Estónia se tornou um dos países digitalmente mais avançados de todo o mundo (criando o extraordinário movimento e-Estonia, que até permite que o voto seja feito através de uma app), a Hungria fechou-se e procurou avançar com o conceito de democracia iliberal. Economicamente, todos esses Estados-Membros aproveitaram a oportunidade europeia para se tornarem países verdadeiramente ocidentais, mas a sua história política escreve-se com tintas diferentes.
Depois da Hungria, importa falar da vizinha Roménia, que aderiu apenas em 2007 e foi atirada para o plano da frente do mediatismo há um ano, quando protestos populares pacíficos contra a corrupção governamental foram resolvidos com grande violência pela polícia local, expondo à Europa distraída o verdadeiro estado de fragilidade da sua democracia.
O Governo socialista, liderado desde 2018 por Viorica Dăncilă, é responsável por uma controversa reforma judicial que enfraqueceu o poder dos magistrados e o transferiu para o ministro da justiça, causando alarme dentro e fora do país. A Roménia é um dos países mais corruptos da União Europeia e o partido do Governo (PSD), que já teve três Primeiros-Ministros desde 2017, é frequentemente acusado de proteger a oligarquia vigente, minando o poder judicial e perseguindo os seus agentes.
Caso flagrante é o de Laura Codruta-Kovesi, antiga procuradora-chefe para a corrupção, despedida do cargo após conseguir uma série de condenações de políticos e governantes, incluindo o antigo líder do partido de Governo, que novamente colocaram os holofotes na teia de interesses que envolve o país. Codruta-Kovesi, como já vos contámos, lançou-se na corrida para a Procuradoria Geral Europeia, colhendo apoio do Parlamento Europeu e dos especialistas contratados para avaliar os candidatos à função, deixando-a em excelente posição para conseguir o lugar. A sua candidatura, no entanto, enfrentou fortíssima oposição romena, o que bloqueou a decisão no Conselho e congelou o processo. Extraordinariamente, foi recentemente impedida de abandonar o país e acusada de uma série de crimes, mas as acusações foram vistas sobretudo como uma tentativa de impedir a sua ida para Bruxelas e um novo aviso à qualidade da democracia e do Estado de Direito na Roménia.
A Comissária para a Justiça, Věra Jourová, lançou nos últimos dias um importante aviso às autoridades romenas durante uma audição no Parlamento, falando num “perigoso padrão” que ameaçava a democracia no país. Os eurodeputados socialistas da Roménia rapidamente se insurgiram contra o que consideraram ser uma ilegítima intromissão de Bruxelas nos assuntos nacionais. O assunto é ainda mais grave se considerarmos que a presidência rotativa do Conselho da União Europeia pertence à Roménia, conferindo aos políticos nacionais grande margem na definição das prioridades políticas comunitárias até 30 de Junho.
Após a suspensão do Fidesz pelo Partido Popular Europeu, os socialistas europeus do PES decidiram continuar a política de palavras de eficácia duvidosa ao considerarem “congeladas” as relações com o PSD, numa condenação tíbia que parece precisamente repetir os erros do centro-direita com Orbán no início da década.
Respondendo à pergunta do título, a Roménia não é a Hungria, mas isso não nos deve deixar completamente calmos. A União Europeia tem um problema democrático, como bem apontam os eurocépticos, mas ele não está em Bruxelas. A corrupção e os ataques ao Estado de Direito – que não são exclusivos do Leste, nem uma herança do comunismo – são enormes problemas de credibilidade do projecto europeu e só podem afectar a sustentabilidade da União.
Texto de João Diogo Barbosa
You must be logged in to post a comment.