Os canais de televisão estão ao rubro e a competitividade pelo share há muito não era tão violenta. A resposta parece estar a ser um retrocesso de larga escala, alicerçado em paradigmas de comunicação que os editores de conteúdos dos canais reputarão de “infalíveis”.
Com efeito, os dados demonstram que programas como o Quem Quer Namorar Com Um Agricultor?, da SIC e o Quem Quer Casar Com O Meu Filho?, da TVI, emitidos na noite de domingo, obtiveram audiências extraordinárias.
Vamos analisar por partes, para ser mais fácil de digerir:
- Um homem que precisa de uma mulher. Nada contra. O amor é, de facto, uma parte importante da vida. Também há homens que precisam de um homem. Mas sobretudo há homens (e mulheres) que não precisam de ninguém, e esses ficam aqui postos de lado. Ou seja, parte-se de um pressuposto que é o da criação de uma necessidade. Uma “Carochinha” dos tempos modernos que se empoleira à janela, triste e deprimida. Não havia necessidade.
- Uma mãe que se mete na vida do filho. Todos gostamos muito das nossas mães, claro. Deram-nos tudo, fazem-nos falta. Mas vai sempre chegando uma altura de abandonar o ninho, e estes ninhos estão a cair de podres. Um filho que não saiba afastar a mãe da sua vida adulta pode bem vir a ser um pai que leva a filha a programas de televisão para encontrar o homem certo.
- Uma mulher que se vê sujeita à objectificação por parte de outra mulher. Lá se vai a solidariedade feminina. A futura “sogra” pergunta às candidatas se cozinham, se fumam, se têm tatuagens. Porquê? Porque são critérios de decisão que a mulher-sogra impõe às mulheres-candidatas, com base nos seus próprios preconceitos inaceitáveis.
- Um casting. É um casting. O que dizer? O homem pergunta: “Praticas desporto?”. A mãe pergunta: “Sabes cozinhar?”. A apresentadora vê o rapaz e diz que ele parece “tão educado, tão bom rapaz”. O rapaz é bom rapaz, isso é indiscutível. “Um príncipe das margens do Tejo”, é dito a certa altura. As raparigas é que têm de ser escrutinadas, claro. Analisadas. “Quantos namorados já tiveste?”, “Quanto tempo durou essa relação?”. Um nojo.
- Felicidade à Gustavo Santos. Todo um programa de televisão em horário nobre dedicado à promoção da felicidade de um homem. Nem uma palavra sobre a felicidade das candidatas. Nada a dizer.
O que fazer de tudo isto? Boicotar. Ignorar. Reclamar. Todos os intervenientes na produção, promoção e divulgação deste tipo de programas deveriam ter vergonha na cara. Fica na consciência de cada um, não é?
No próximo domingo, à mesma hora a que este “programa” vergonhoso estiver a ser emitido, a RTP 2 passará uma homenagem a Louis Armstrong, um monstro do jazz, com Lillian Boutté na voz e Jérôme Etcheberry na trompete. Também podemos pegar num livro (há Eça de Queiroz em todas as bibliotecas, por exemplo).
Cada um vê o que quer, mas a alternativa existe. Valha-nos isso.
Texto de Pedro Eduardo Ramos