Nan Goldin é uma artista norte-americana bem conhecida pelas suas fotografias em que o lado mais decadente da vida assume o papel de protagonista. Ao longo dos seus mais de 30 anos de carreira, fotografou sobretudo pessoas que lhe eram próximas e em momentos íntimos, o que conferiu ao seu trabalho um valor especialmente revelador. Por intermédio da câmara de Nan Goldin, chegaram às paredes dos museus – e ao estatuto de arte – retratos de violência doméstica, consumo de drogas, experiências sexuais e outros momentos de um realismo quase chocante que habitualmente se escondem nas vidas de cada um.
Agora, numa fase posterior da sua carreira, mudou o seu modus operandi — já não é tão íntima das realidades — mas não mudou os temas a que dá atenção. Pela sua relação próxima com o mundo das drogas, iniciou aos 65 anos uma campanha contra a relação, através de financiamento, entre empresas produtoras de opióides e o universo da arte contemporânea.
Foi num ensaio publicado na revista Artforum que Nan Goldin assumiu a sua relação com os opióides e lançou a crítica à família Sackler, conhecida por enormes doações para o mundo da arte e por deter a empresa produtora de um dos medicamentos no epicentro da epidemia de opióides que fustiga os EUA, o OxyContin. O OxyContin é um medicamento analgésico e vendido nas farmácias que tem estado debaixo de fogo por se associar a graves casos de adição e overdose, semelhantes aos de drogas ilegais. Estima-se que 1,9 milhões de norte-americanos dependam anualmente deste tipo de comprimidos.
O movimento que desencadeou, com o nome P.A.I.N. (Prescription Addiction Intervention Now), alerta para o facto de a informação sobre os medicamentos prescritos ser vaga e pouco explícita quanto à facilidade com que causam adição, e concentra a sua acção na publicação de fotografias e vídeos sobre a temática nas redes sociais e na organização de manifestações em locais escolhidos a dedo como o Met ou o Guggenheim. Para além disso, Goldin e a P.A.I.N. lançaram também o apelo para que museus e instituições artísticas deixassem de aceitar doações desta família, algo que teve agora o primeiro eco de sucesso – apesar da família recusar as acusações o caso está entregue às autoridades que investigam criminalmente as políticas de marketing da empresa.
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A Britain’s National Portrait Gallery (NPG) terá rejeitado uma doação de um milhão de libras (cerca de 1,16 milhões de euros) de uma das subsidiárias da família, numa acção em tudo relacionada com a reivindicação de Goldin. Numa entrevista em que foi convidada a comentar a decisão da galeria, Nan confirmou que já em Novembro quando a convidaram para expor uma retrospectiva naquele espaço lhe haviam anunciado a possibilidade de recusar o dinheiro — Goldin estabeleceu a recusa como condição para a sua exposição. Na mesma entrevista, a fotografa destaca a coragem do seu interlocutor na galeria sobre quem diz ser uma pessoa corajosa e com consciência entre o bem e o mal. Dois dias depois da NPG foi o conceituado grupo de galerias Tate a anunciar a recusa de doações futuras da mesma família.
Nan Goldin pode não acabar com a epidemia dos opioides que fustiga os Estados Unidos da América e também faz vítimas noutras partes do mundo mas com esta campanha directa e assertiva mostra como mundos antagónicos se cruzam em relações no mínimo estranhas e baseadas única e exclusivamente no poder do capital.
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