Paciente inglês: a ‘cura’ do HIV? E a situação em Portugal?

Paciente inglês: a ‘cura’ do HIV? E a situação em Portugal?

30 Março, 2019 /

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Há muitos que falam numa possível cura mas os médicos responsáveis pelo caso, preferem ser cautelosos.

Existe uma nova esperança desde a introdução da terapêutica anti-retroviral tripla para tratamento do HIV. No início de Março foi publicada na revista científica médica Nature o segundo caso de uma remissão de longa duração da infecção pelo vírus HIV, doze anos após o paciente de Berlim, Timothy Brown, ter recebido um transplante de medula óssea.

Há muitos que falam numa possível cura mas os médicos responsáveis pelo caso, nomeadamente Ravindra Gupta, médico afiliado da Universidade de Cambridge, preferem ser cautelosos e referir-se a uma remissão de longa duração. O doente – que deseja permanecer anónimo, sendo referido dentro da comunidade científica como o ‘paciente de Londres’ – encontra-se há mais de 18 meses sem realizar terapêutica anti-retroviral, com manutenção do número de cópias de RNA viral indetectável.

O doente de Londres, tal como o doente de Berlim, desenvolveram neoplasias hematológicas, no caso do primeiro um Linfoma de Hodgkin e no caso do segundo uma Leucemia Mielóide Aguda; em ambos, o objectivo do transplante hematopoiético foi o tratamento da neoplasia e não a cura da infecção pelo VIH. Sabe-se, no entanto, que a mutação Delta 32 no co-receptor CCR5 do HIV permite que o vírus não consiga entrar nos glóbulos brancos (nomeadamente células T CD4+) e por isso não se replique, tendo sido feito um transplante da medula óssea de um dador que possuía esta mutação.

Com este transplante, o doente conseguiu uma remissão do Linfoma de Hodgkin bem como o início da remissão da infecção por HIV dezasseis meses após o transplante, altura em que foi discutido entre o doente e a equipa médica e foi consentida a suspensão do tratamento anti-retroviral. A apresentação deste caso foi feita em Seattle nos EUA, durante a Conferência de Retrovírus e Infecções Oportunistas, altura em que o paciente se encontrava há dezoito meses em remissão.

Indetectável = intransmissível

Actualmente um doente com infecção HIV, sem ter evoluído para o Síndrome de imunodeficiência humana adquirida (SIDA), que esteja sob tratamento com terapêutica antiretroviral tem uma esperança média de vida quase semelhante a uma pessoa sem a infecção pelo vírus. Isto significa que o diagnóstico atempado e início do tratamento precoce alteram drasticamente o prognóstico da evolução da doença e também a qualidade de vida da pessoa infectada.

Mais ainda, sabe-se hoje que um doente portador do vírus que esteja com carga viral indetectável – possui o vírus mas o número de cópias é demasiado reduzido para ser detectado a nível laboratorial  – não é um doente passível de infectar outros a nível sexual. Daí ter sido criada a campanha Prevention Access com o motto “Indetectável=intransmissível” (U=U, undetectable=untransmittable), apoiada por 760 organizações e comités de luta contra o HIV/SIDA em 100 países diferentes. Este consenso científico, com base em três estudos de larga escala (HPTN 052, PARTNER e Opposites Attract), veio com o intuito de mudar o estigma à volta de sexo entre pessoas serodiscordantes (um dos elementos é seropositivo e o outro não) em que um dos elementos está sob terapêutica antirretroviral com eficácia comprovada.

Tratamento disponível

Actualmente, o tratamento preconizado para a infecção por HIV é a terapêutica antirretroviral tripla (HAART), sendo a combinação de três ou mais fármacos adaptada em função do doente, não existindo portanto uma “fórmula” mágica.

Este ano, na mesma conferência em Seattle, foram apresentados os resultados do estudo FLAIR, que vêm dar força à alternativa de terapêutica dupla de longa acção (Cabotegravir + Rilpivirina), não sendo esta inferior à terapêutica tripla.

Outras terapêuticas duplas, como Dolutegravir + Lamivudina ou Dolutegravir + Rilpivirina, apresentam também resultados promissores em alternativa à terapêutica tripla, mais ainda esta última combinação apresenta melhores resultados a nível do colesterol e perfil ósseo dos doentes. Esta combinação de Dolutegravir + Rilpivirina é a primeira terapêutica dupla aprovada pelas autoridades medicamentosas europeias (EMA) e americanas (FDA) sendo mais vantajosa para os doentes pois a toma é feita por um comprimido único, diariamente.

A situação actual em Portugal

Duas das metas estabelecidas pela OMS de 90:90:90 – 90% das pessoas com HIV diagnosticadas, 90% das pessoas diagnosticadas em tratamento e 90% das pessoas em tratamento com carga viral indetectável – foram no ano passado atingidas em Portugal.

Apesar destes resultados positivos no que toca ao tratamento, não nos encontramos tão bem na prevenção de novas infecções: em 2017, Portugal reportou 1068 novos diagnósticos (10.3 por 100000 habitantes, bastante superior à média europeia de 6.2). A maior taxa de novos diagnósticos (24,8 casos/100000 habitantes) observou-se no grupo etário 25-29 anos. Em 98,1% dos casos a transmissão ocorreu por via sexual, com 59,9% a referirem contacto heterossexual, embora a nível europeu ainda predomine o grupo de homens que têm sexo com homens.

Se tens dúvidas sobre HIV, SIDA e modo de transmissão clica aqui. Na dúvida, o uso de preservativo previne a transmissão de IST e uma gravidez indesejada.

Se quiseres fazer rastreio para infecção HIV ou outras infecções sexualmente transmissíveis, clica aqui para consultar os locais de rastreio mais perto de ti. Um diagnóstico atempado faz toda a diferença, para ti e para @s teus parceir@s!

Autor:
30 Março, 2019

Nascida e criada em Marvila, médica do mundo e para o mundo. Envolvida e envolvente, sou feminista, esquerdista e optimista ?

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