Na semana passada, o Unicode Emoji 12.0 foi oficialmente aprovado. O que significa que, este ano, vão chegar aos nossos teclados 59 novos emojis. Nos novos favoritos imediatos, estão o emoji a bocejar e aquela mão que nos diz “faltou-te um bocadinho assim”. No que toca aos animais, com a excepção do flamingo, os estreantes são todos mamíferos: cães-guia e de serviço, lontra, preguiça, doninha e orangotango juntam-se à bicharada já existente. Na comida, até que enfim, vamos poder falar de refogados como deve ser graças aos emojis de cebola e alho. Quanto a pratos mais robustos, passamos a ter waffles, almôndegas (ou falafel, conforme prefiram). Também vamos poder começar a usar o emoji de manteiga…
No entanto, grande parte tem a inclusão como pano de fundo. Encontramos, por exemplo, o emoji de pessoa surda e um ouvido com prótese auditiva, emoji de homem/mulher em cadeira de rodas (com versões motorizada e manual!), homem/mulher com bengala e próteses de membros inferior e superior. Também foi aprovada a adição dos cinco tons de pele para alguns emojis que, até agora, só existiam em amarelo, como os pares de mãos dadas (mulher/mulher, homem/homem e mulher/homem), o casal a dar um beijo, o casal com o coração e a família de pai, mãe e criança. O facto de passar a ser possível usá-los em combinações com cores distintas totaliza 230 novas variantes.
O caminho rumo a uma paisagem “emojiana” mais diversa e inclusiva tem sido palmilhado gradualmente desde 2014. Na actualização anterior, entraram pessoas ruivas, de cabelo encaracolado, de cabelo grisalho e carecas. 2018 foi também o ano em que os super-heróis se transformaram em mulheres e passou a ser possível usar o emoji de super-heroína. De mais emojis no feminino aos diferentes tons de pele, lentamente, a Unicode vai conseguindo tornar os emojis cada vez mais um espaço de representatividade.
Mas não são só bonecos?…
Para lá da complexidade técnica que envolve codificar uma imagem a cores relativamente complexa (de maneira a ser interpretada pelas nossas máquinas como um só carácter), um emoji pode ter implicações políticas, sociais e culturais. Em 2016, com apenas 15 anos, Rayouf Alhumedhi tornou-se notícia ao iniciar uma campanha pela introdução de um emoji com hijab. Rayouf submeteu a sua proposta argumentando que cerca de 550 milhões de mulheres muçulmanas usam o lenço à volta da cabeça. No mesmo ano, também a Finlândia destilou um pouco da sua cultura graças ao emoji de sauna, que depois de várias tentativas de desenho conseguiu entrar na tabela oficial no Unicode Emoji 10.0. O país escandinavo foi, aliás, mais longe e criou o seu próprio conjunto temático de 56 emojis com ilustrações (a piscar o olho à graçola) de expressões e outros traços culturais finlandeses.
Tanto o emoji do lenço na cabeça como o da sauna tiveram de ser aprovados pela Unicode. Para tal, parte do desafio foi provar que os retratos implicados são suficientemente universais para serem incluídos num grupo de imagens disponível para todo o planeta. Além das mulheres muçulmanas, há outros grupos que usam o lenço em volta da cabeça como, por exemplo, as cristãs ortodoxas. Por outro lado, é igualmente necessário demonstrar que a representação gráfica não vai ser controversa noutros cantos do mundo. Ainda assim, a polémica estala de vez em quando. Em 2016, a Apple tornou-se a primeira empresa a mudar o desenho do seu emoji de pistola de uma representação verossímil para uma bisnaga – algo que a maior parte das restantes tecnológicas acabaria por fazer. No capítulo culinário, no ano passado a Google resolveu tornar o seu emoji de salada mais amigo dos veganos e tirou-lhe o ovo (causando algum alarido nas redes sociais). E não nos esqueçamos dos segundos significados, como a beringela e o pêssego que se tornaram partes do corpo humano, e o emoji utilizado como símbolo de reza que, na verdade, foi desenhado como dá-cá-mais-cinco.
O longo caminho dos emojis
A revolução chegou primeiro ao Japão, pela mão de Shigetaka Kurita e da operadora móvel NTT Docomo. Na viragem dos anos 1990, Kurita tentava solucionar o problema da dificuldade na transição para a comunicação escrita por meio electrónico. Em japonês, mensagens escritas (como cartas) tendiam a ser longas de modo a fornecer o contexto necessário ao destinatário. Conforme Kurita explicou ao The Verge, dizer “wakarimashita” pode ir de um caloroso “compreendo” a um “sim, sim, já percebi” mais frio e negativo. Tudo depende do tom e do contexto.
Kurita desenhou o primeiro conjunto de emoji com 176 pictogramas de 12×12 pixeis – fortemente influenciado pelo sistema de caracteres kanji, que permite representar ideias completas com um só símbolo. A colecção chegaria ao mercado com o lançamento do sistema i-mode da Docomo em 1999 e não levou muito tempo até que as concorrentes começassem a replicar a ideia (ajudou a isto o facto de a Docomo não ter conseguido o copyright para as criações; algo justificado pela sua resolução diminuta). No início, reinava o caos, com cada marca e sistema a desenvolver os seus próprios agrupamentos numa espécie de faroeste emoji em que cada um desenhava o que queria e como bem entendia. Só em 2005 começariam os primeiros esforços de uniformização, com as três grandes operadores móveis japonesas a trabalharem nesse sentido. Contudo, pelo menos até 2012, o espaço emoji no império nipónico continuou bastante fragmentado. Ainda assim, o conjunto original desenhado por Kurita é uma peça fundamental da cultura popular dos nossos tempos, tendo sido incluído na colecção de arte do MoMA em 2016.
Apesar da sua utilização numa série de páginas e fóruns na internet, o grande salto dos emojis para o Ocidente fez-se à custa de três momentos emblemáticos: a inclusão de emojis* na versão 6.0 do MSN Messenger (RIP) em Julho de 2003, a introdução de emojis no teclado do iPhone no iOS 2.2 em Novembro de 2008 e, finalmente, o grande passo para a uniformização com a integração dos emojis no sistema Unicode em 2010.
O sistema Unicode é uma estandardização tecnológica de codificação, representação e manipulação de caracteres. Basicamente, é um padrão que faz com que a maneira como o texto é processado em termos informáticos seja idêntica para todos, mesmo que usemos computadores de marcas distintas, dispositivos diferentes e sistemas operativos variados, etc. Este padrão garante, igualmente, a compatibilidade dos sistemas informáticos com os inúmeros alfabetos e outros sistemas de escrita um pouco por todo o mundo.
Este sistema é gerido pelo consórcio Unicode, cuja lista de membros completos (full members) é composta quase unicamente por tecnológicas – Adobe, Apple, Facebook, Google, Huawei, IBM, Microsoft, Netflix, Oracle, SAP e Shopify –, mas não só. O Ministério para os Assuntos Religiosos de Omã também desembolsa 18 mil dólares por ano para ter uma palavra a dizer sobre os emojis que são aprovados ou ficam pelo caminho. Noutros níveis de filiação, encontramos a Amazon, o Twitter, o Tinder… além de nomes um pouco mais institucionais, como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, o gabinete digital do Governo britânico e a Emojipedia e, ainda, quase 150 membros individuais. As questões técnicas ficam reservadas ao comité técnico do consórcio, mas grosso modo as deliberações sobre a inclusão de determinado emoji numa actualização futura são decididas por estas entidades.
Não obstante a persistente tentativa de padronização dos emojis através do sistema Unicode, bem sabemos que continua a haver incompatibilidade entre conjuntos de marcas diferentes. Isto prende-se com as diferentes velocidades de implementação entre elas (a Apple tende a ser a primeira a lançar novas ilustrações). Em ambiente web, há várias iniciativas que disponibilizam colecções de emojis livres e de código aberto, de modo a que consigamos ver todos os emojis nos nossos ecrãs como deve ser, nomeadamente, os emojis do Twitter e as fontes Noto da Google. Na rota da universalização desta linguagem pictográfica, o processo de submissão de novos emojis está aberto a quem quiser.
E se houvesse um emoji de pastel de nata?
Tal como Rayouf Alhumedhi propôs o emoji da mulher com o lenço na cabeça, qualquer pessoa pode sugerir um novo emoji, novas combinações de emojis (por exemplo, casais e outros emojis multi-caractere) e a transformação de um carácter Unicode já existente em emoji . Apesar de serem claros, os critérios de selecção de novos emojis deixam margem para alguma subjectividade. A prioridade máxima é a compatibilidade com plataformas já existentes – um emoji que exista no Twitter ou no Snapchat e seja muito utilizado tem à partida melhores hipóteses de se universalizar. A polissemia assume, igualmente, uma certa preponderância: se for possível utilizar determinado emoji em contextos diferenciados, tanto melhor. Em 2017, o emoji de dumpling foi incluído em grande parte graças à variedade de comidas que podia representar, das gyozas aos rissóis, das empanadas aos raviolis. Completar conjuntos também ajuda à aprovação; não é por acaso que nos últimos anos a quantidade de cores disponíveis para corações tem vindo a aumentar (aliás, este ano chegam em branco e castanho).
Do lado oposto, temos os factores de exclusão. Apesar de, muitas vezes, as imagens serem bastante específicas, um emoji aprovado pela Unicode é genérico. A especificidade dos desenhos é resultado da liberdade que as empresas têm de implementar os emojis conforme queira, desde que mantenham a codificação Unicode que permite que sejam lidos nos vários sistemas. Graças a isso, o emoji de vegetal de folhas verdes aparece como alface no WhatsApp, mas é um bok choi no Facebook. Outra questão que exclui um emoji logo à partida é o seu factor comercial: logótipos e marcas ficam de fora.
Tendo em conta o calendário de actividades Unicode nos últimos anos, é expectável que a fase de candidaturas para os emojis de 2021 abra em breve. Será que está na altura de termos, finalmente, um emoji de pastel de nata? Quiçá, um emoji de francesinha? É só uma questão de tentarmos.
(*) Erradamente, o MSN Messenger apelidava os seu emojis de emoticons. Contudo, um emoticon é uma representação tipográfica de uma expressão facial, como 🙂 e xD.
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