Entre vários novos emojis que vão surgir este ano, um deles representa o período e a internet está ao rubro. Na era digital em que vivemos este parecerá para muitos um pequeno passo, mas é sem dúvida um grande passo para quem menstrua.
A história por detrás do emoji
Em 2017, a Plan International UK conduziu um inquérito no Reino Unido para perceber a dimensão do estigma associado ao período e concluiu que 48% das jovens britânicas entre 14-21 anos sente alguma forma de vergonha relacionada com a menstruação. Depois de o verificar, criou 5 propostas de emoji e reuniu mais de 50 mil votos para aferir qual o seu preferido.
O emoji vencedor representava umas amorosas cuequinhas com gotinhas de sangue, mas talvez tenha sido um passo maior que a perna: a Unicode recusou a proposta. A Plan UK não desistiu e juntou então forças com a NHS Blood and Transplant para apresentar uma nova proposta: uma gota vermelha, que permite abranger temas relacionados com a doação de sangue. Esta segunda proposta foi aceite e segundo a Unicode o emoji estará disponível para a maioria dos smartphones no segundo semestre de 2019.
Sim, é só um emoji. Mas o emoji é hoje uma poderosa ferramenta de comunicação, independente de barreiras linguísticas e culturais. E embora este seja um emoji demasiado leviano, continua a ser razão suficiente para celebração.
Já chega de period shaming
O período é uma realidade mensal de cerca de metade da população mundial. Ainda assim, os dias passam e é como se ele não existisse fora das quatro paredes da casa-de-banho quando se troca um pensinho, um tampão ou se coloca um copo menstrual.
Quem nunca sentiu vergonha de atravessar um grupo de pessoas com um tampão na mão?
Até mesmo os anúncios de produtos menstruais (pasmem-se!) focam a sua mensagem numa ideal não-existência daquilo a que estão a dar resposta: não vais sentir nada, não vais ver nada, não vais cheirar nada. “Vais sentir-te limpa (porque a menstruação é suja)”; “vamos tirar-te o fardo de teres de lidar com o período (porque ele não é desejável)”.
Sempre menstruámos e iremos continuar a menstruar. Aceitemo-lo de uma vez por todas. É que este misto de secretismo, nojo e vergonha face a um aspecto tão natural da vida pode ter efeitos muito mais danosos do que poderá à partida pensar-se.
Há uns anos, uma colega de casa mostrou-me uma imagem que a irmã lhe tinha enviado. Era uma enorme massa vermelha e disforme de tecido viscoso no seu penso higiénico. Não me espantei. “Isso nunca te aconteceu?”, perguntei-lhe. Respondeu-me que não. “Isso às vezes acontece-me”, comentei.
Da primeira vez tinha sido aterrador, pensei que pedaços do meu útero estavam a cair, pesquisei na internet sobre o que poderia ser e não cheguei a nenhuma conclusão. Achei que poderia ser normal e esta confidência da minha colega de casa veio trazer-me uma falsa confirmação que me tirou um peso das costas.
Nunca mais me importei com este assunto e hoje, muitos anos volvidos desde aquela primeira vez em que dei à luz um pedaço alienígena, sei que a presença recorrente de grandes coágulos sanguíneos na menstruação é motivo de alarme e pode ser um sintoma, entre outros, de endometriose. Que é provavelmente o meu caso.
O sangue menstrual é um fiel indicador da nossa saúde (ou falta dela), se o soubermos analisar. Infelizmente ainda tendemos a ficar constrangidos sempre que temos de verbalizar a palavra menstruação, quanto mais encará-la de frente.
Então, como é que vamos conseguir identificar anomalias se estamos constantemente a ser pressionadas a esconder que menstruamos (até de nós próprias!)? Como é que nos vamos aperceber de que afinal o nosso “normal” pode ser uma mensagem do nosso corpo a dizer-nos que não está bem?
Simples: vamos deixar de considerar o período asqueroso e vamos falar sobre ele.
Não vai acontecer da noite para o dia, mas sei que estamos a caminhar nesse sentido e o novo emoji é reflexo disso mesmo. Seria preferível que a Unicode não se tivesse acobardado com o emoji das cuequinhas com sangue, mas enfim, não se pode ter tudo.
Este texto foi escrito por Catarina Maia, portadora de endometriose que criou o projecto O Meu Útero para lutar por uma maior consciencialização sobre a doença.
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