Quando compramos uma camisola, pagamos não só o seu custo de fabrico como todas as despesas que a empresa teve, desde o processo de distribuição entre a fábrica e a loja, ao os custos com o marketing; tudo somado, ainda temos de acrescentar ao ‘bolo’ a margem de lucro, isto é, a percentagem que a empresa irá efectivamente ganhar com a venda. O Facebook não é muito diferente de uma camisola, só que em vez de euros a moeda de troca são dados.
O Facebook é aos nossos olhos gratuitos: podemos inscrever-nos na plataforma, partilhar fotos e falar com os nossos amigos sem pagar e sem limites. Acontece que aquilo que nos parece uma rede social é, na verdade, uma poderosa máquina de fazer dinheiro, seja para o bolso de Mark Zuckerberg, seja para o de anunciantes.
O Facebook reúne todos os dados que inserimos no nosso perfil, desde onde vivemos até aos conteúdos que partilhamos, e toda a informação que consegue recolher sobre a nossa actividade para criar um registo pormenorizado de quem somos e dos nossos interesses/motivações. Tudo isto para que empresas – grandes e pequenas – possam colocar os anúncios certos à frente das pessoas certas. Este modelo de negócio é explicado pelo próprio Zuckerberg, director executivo do Facebook, neste artigo.
Valemos muito dinheiro
Em suma, o Facebook faz dinheiro com a nossa informação. Um artigo de opinião publicado na Bloomberg em Março de 2018 faz algumas contas: se em 2011 um utilizador do Facebook gerava, em média, à empresa 3,79 dólares (número obtido dividindo os 3,2 mil milhões de receitas com publicidade pelos 845 milhões de utilizadores activos mensalmente), em 2017 já valia 19,05 dólares (a mesma conta mas com 40 mil milhões de receitas e 2,1 mil milhões de utilizadores). Trocando números por palavras, como o autor do texto diz, a informação que os utilizadores dão ao Facebook e que a empresa recolhe da sua actividade é altamente valiosa.
Facebook e Google são os dois maiores players no que toca a publicidade online nos EUA, isto é, a maioria dos anúncios que vemos online são colocados pelas marcas através dessas duas empresas. Na verdade, em 2018, estima-se que o duopólio que o Facebook e a Google formam tenha representado 57,7% dos gastos em publicidade online no mercado norte-americano.
O modo de operação da Google não é muito diferente do do Facebook; tem as suas formas de traçar também um perfil dos internautas para lhes direccionar publicidade que responda aos seus interesses e motivações – não esquecer que a Google sabe, directamente, o que pesquisamos na sua homepage, os vídeos que vemos no YouTube, os sítios por onde andamos através do Maps, as fotos que tiramos e guardamos no Photos ou mesmo as apps que usamos no nosso smartphone Android.
Todavia, como o mesmo artigo da Bloomberg aponta, as margens da Alphabet, empresa-mãe da Google, são inferiores às do Facebook: se este teve em 2017 uma margem bruta de 87% e uma margem de lucro líquido de 39%, a primeira teve margens de 59% e 11%, respectivamente. “Percebo que é uma forma excelente para estar em contacto com a família e os amigos, conhecer novas pessoas e ter uma experiência online personalizada. Mas valorizo a minha privacidade, e é difícil reconciliar isso com o facto de que o Facebook está no negócio de vender informação dos seus utilizadores”, defende o colunista da Bloomberg, Nir Kaissar.
A questão essencial é mesmo essa: será que os utilizadores do Facebook obtém da plataforma valor suficiente para que seja justo que a sua informação seja vendida a anunciantes? Por exemplo, Roger McNamee, antigo mentor de Mark Zuckerberg, defende que não e diz que os utilizadores da rede social mereciam ser melhor compensados. Não é o único a achá-lo.
Tal como uma empresa que faz e vende casacos, a empresa de Zuckerberg, tem contas para pagar e custos para cobrir – disponibilizar uma rede social que está constantemente disponível tem, como é possível imaginar, custos ao nível de servidores, armazenamento, largura de banda, etc. O Facebook não só gere infra-estrutura própria (em 2009 corria em 30 mil servidores , número que mais que duplicou em três anos), como recorre a serviços cloud de terceiros – estimando-se que gaste nestes 94 milhões de dólares por mês, não só para a principal rede social mas também para o Instagram e WhatsApp (exacto, apesar de serem serviços distintos são do mesmo grupo).
Não há almoços grátis
A CNBC montou um artigo muito interessante a partir de um caso específico: um anúncio de uma marca de mobiliário que apareceu no feed de Facebook da mulher de um editor daquele órgão de comunicação social. O texto explica várias possíveis razões para que aquela campanha publicitária tenha aparecido no feed depois de uma conversa offline que o casal teve sobre… (yup!) mobiliário. A peça é muito elucidativa da complexidade do sistema de publicidade do Facebook.
Através da rede social, marcas podem criar campanhas super segmentadas, que cheguem apenas a um público-alvo muito específico que lhes interessa. É uma espécie de “sonho tornado realidade” para o marketing.
Por outras palavras, determinado anúncio pode aparecer a um utilizador por causa da informação que ele deu ao Facebook e que este recolheu sobre ele. Como já vimos, o Facebook usa o todo o tipo de informação que lhe damos para traçar um perfil pormenorizada e poderosíssimo de cada pessoa; alguma dessa informação é facultada de modo voluntário por nós, através dos check-ins que fazemos ou das mensagens que trocamos no Messenger; outra parte provém de acções como os posts de que gostamos, os locais onde acedemos ao Facebook ou os websites que visitamos. Sim, o Facebook é capaz de nos seguir pela web e saber que sites visitamos – basta fazermos login numa aplicação com o botão azul do Facebook, ter a app da rede social instalada no telemóvel, ter conta aberta num separador diferente do browser ou que o site em questão tenha uma integração da rede social.
Através do Facebook Pixel, marcas podem esconder pequenos códigos nos seus websites que monitorizam a actividade dos internautas para que depois possam direccionar-lhes campanhas publicitárias que correspondam aos seus interesses (com esta extensão para Chrome podes saber que sites estão a usar o Pixel). Os anunciantes podem também fazer o upload de bases de dados de e-mails para a plataforma do Facebook para que os seus anúncios sejam postos à frente desses utilizadores específicos.
Se quiseres saber tudo o que o Facebook sabe sobre ti (e que ideologia política, por exemplo, ele acha que segues), há uma página na rede social onde essa informação é listada. Num estudo recentemente realizado pela Pew Research Center junto de utilizadores norte-americanos, 74% disse não saber da existência dessa lista até esta lhes ter sido mostrada; 51% mostrou-se desconfortável com o Facebook fazer esse tipo de compilação e apenas 27% disse que os resumos que a empresa de Zuckerberg faz sobre elas pouco ou nada correspondem à realidade.
Apesar de o Facebook disponibilizar uma forma de os utilizadores saberem aquilo que a empresa sabe sobre eles, o desconhecimento de uma fatia significativa de que essa informação existe pode significar desinteresse por parte das pessoas, mas pode também querer dizer que o Facebook precisa de fazer mais no campo da literacia e da transparência. De um ponto de vista social e democrático, é perigoso este desconhecimento generalizado de como o Facebook opera e faz dinheiro; para o Facebook pode ser benéfico que tal situação aconteça – tal como pode ser benéfico o desconhecimento de que o Instagram pertence ao Facebook.
Além de informar e categorizar aquilo que sabe sobre cada um de nós, o Facebook dá a opção de podermos remover determinada informação. Outra opção que o Facebook nos dá é sabermos por que motivo um determinado anúncio nos está aparecer. Para tal, basta clicar nos três pontinhos e seleccionar “Why am I seeing this ad?”. Nem sempre a resposta poderá ser a mais detalhada, mas pelo menos ficamos com uma ideia.
O que posso fazer?
A pergunta que há instantes lançámos neste artigo, é a pergunta que também temos de fazer: os benefícios que obtemos com o Facebook justificam o tratamento que a empresa faz dos nossos dados pessoais? Consoante a resposta, podemos decidir se queremos estar sujeitos ou não ao tracking que a rede social faz, isto é, à surpreendente capacidade que esta tem de nos seguir dentro e fora do Facebook.
Se escolheres manter a tua conta do Facebook, podes evitar o tracking com alguns passos simples:
- Não uses o Facebook. Sim, esta solução pode parecer parva, mas existem alternativas para manter o contacto com os amigos, saber os seus aniversário, acompanhar eventos, seguir notícias, participar em grupos, etc;
- Usa um browser que te dê a opção de bloquear trackers (as “coisinhas” que te seguem para todo o lado), como é o caso do Safari no macOS e iOS. O Firefox é também uma boa solução – além da opção de bloquear o rastreamento, com o add-on Facebook Container podes isolar o Facebook num só separador e assim o Facebook não vai ter acesso à navegação que fazes no restante browser;
- Desliga o Facebook (ou seja, faz ‘log out’) quando acabas de o usar ou usa-o sempre numa janela anónima para evitares que a tua conta fique aberta no browser e possas ser seguido pela empresa no resto da web;
- Apaga a app do Facebook do teu telemóvel ou restringe as permissões que ela tem (por exemplo, podes impedi-la de aceder à tua localização). Poderás fazer o mesmo com outras aplicações do Facebook, como o Instagram ou o WhatsApp. No caso do WhatsApp, apesar de permitir comunicações encriptadas, ou seja, que ficam guardas apenas no teu telemóvel, podes equacionar alternativas como o Telegram ou o Signal caso não consigas confiar de todo na ‘palavra’ do Facebook;
- Não te registes em websites ou aplicações com a tua conta de Facebook, optando em vez disso por um registo com e-mail e não associes depois o teu Facebook. Podes também ter um e-mail distinto para o Facebook.
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