Naomi Osaka tornou-se, há dias, na primeira tenista asiática a atingir o primeiro lugar do ranking WTA, na categoria single. Meses antes, tinha-se tornado na primeira tenista japonesa a vencer um Grand Slam. É um motivo de orgulho para os japoneses, mas a lei parece não gostar de mestiços
Osaka é filha de mãe japonesa e pai haitiano-americano, mas vive nos Estados Unidos desde os três anos de idade. Etnicamente, é nipo-haitiana-americana; legalmente, é nipo-americana. Contudo, ao abrigo da Lei da Nacionalidade Japonesa (Artigo 14), cidadãos com dupla nacionalidade têm de renunciar à estrangeira para manterem o passaporte japonês, e estão obrigados a tomar uma decisão antes de completarem 22 anos. Osaka, que festejará o seu 22.º aniversário em outubro de 2019, tem até esse mês para anunciar a sua escolha. Se não o fizer, “poderá perder a nacionalidade japonesa”.
A teoria parece ser mais complicada e desanimadora do que a prática. Na realidade, nem o Ministério da Justiça nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros têm meios para controlar os mais de 800 mil japoneses com dupla nacionalidade. No entanto, existem vários casos de pessoas que, depois de se naturalizarem por outros países, perderam a nacionalidade japonesa.
Se Naomi Osaka vai perder a sua? O futuro o dirá, mas o mais provável é que isso não aconteça. É um assunto em que o Japão não tem nada a ganhar, antes pelo contrário: é um processo burocrático por que nenhuma das partes quer passar; Osaka é uma das figuras em destaque no ténis mundial, e é do interesse japonês que ela carregue a sua bandeira; aproximam-se os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e o Japão não quererá perder uma das suas melhores atletas – a própria já disse que quer o ouro pelo Japão; Osaka já está inscrita como japonesa na WTA e nunca mostrou interesse em alterar o seu estado.
Então, por que razão o Japão não altera a lei? Atsushi Kondo, professor de direito na Universidade de Meijo, refere que a lei “foi criada após a Segunda Guerra Mundial, quando o Japão queria reemergir como um estado-nação puro e homogéneo”. Shinzō Abe, ultraconservador e nacionalista, quer manter a ideologia em vigor intacta.
Para todos os efeitos, ter dupla nacionalidade no Japão é ilegal, mas não penaliza quem não fizer a escolha. A sua função é simples: penalizar a “consciência” de quem prefere a cultura de outro país à japonesa. E isso parece ter vindo a resultar: em 2016, o número de cidadãos que pediram a nacionalidade japonesa ultrapassou os 3000; em 2017, foram 3368, número que estabeleceu um novo recorde no país.
Texto de Nuno Martins