Animal Collective
Se conclusões como “disco do ano” e/ou “insuperável” forem escritas em relação a um disco editado a 6 de Janeiro vos soarem ridículas fiquem a saber que têm toda a razão. A não ser que esse disco se chame Merriweather Post Pavilion. Aconteceu em 2009: o álbum mais celebrado do ano foi dos primeiros a saltar cá para fora.
Ao 8.º disco, os Animal Collective já ultrapassavam a etiqueta de ilustres anónimos, não foi uma cunha que os levou ao Conan O’ Brien, mas Strawberry Jam, disco que, longe da transcendência de Merriweather, promove um crescimento sustentado, de disco para disco, com progressiva “popização” do som, com tudo o que isso tem de relativo.
Não deixa de ser curioso que as harmonias dominem em anos consecutivos: os Fleet Foxes terão sido unânimes autores do disco de 2008, mas enquanto a banda de Seattle importa um sentido revivalismo, os Animal Collective inspiram-se num som antigo (em última análise, o psicadelismo), mas trazem-no para o presente e, veríamos depois, para o futuro. Aliás, é quando Deakin, homem das guitarras, decide avançar para um hiato que os outros três decidem avançar para uma coisa mais próxima do que Panda Bear tinha feito com excelentes resultados em Person Pitch.
As muitas comparações aos Beach Boys fazem sentido, sim, mas mais na forma como os AC, tal como Brian Wilson, exploraram as possibilidades que o estúdio tinha para lhes oferecer. E no fundo, a fórmula é a mesma: sons complexos, letras extremamente simples. Chamaram-lhe álbum pop, numa clara tentativa de colocar o fundo de catálogo lá para trás e não tanto sublinhar o lado mais acessível que estas canções têm. Mas se isto não são canções pop perfeitas, são o quê?
Fever Ray
Uma semana depois de Merriweather, a estreia de Fever Ray selava um mês que, por norma, é para aquecer, como o mais importante do ano. E é interessante perceber que dois discos cujas premissas tudo têm para ser diferentes, acabam por ter muito em comum. As temáticas: uma juventude que ficou para trás e a responsabilidade que a parentalidade implica. E o som: a ausência de guitarras e o lado onírico, misterioso e, a tempos, bizarro, embora o disco dos AC seja o dia e o de Fever Ray a noite.
Fruto da recém-paternidade, vou lendo artigos sobre o assunto. Um deles destacava a hora de maior isolamento para a mãe: as três da madrugada. É a isso que, empurrado pelas poucas entrevistas e atentando às letras, me soa Fever Ray: noites mal dormidas, dias e horas que se limitam a passar, a frustração perante uma criança que, sem rotinas, não percebe que à noite é para descansar. Enquanto deambula na escuridão, Karin Dreijer Andersson pega num assunto tão humano como a parentalidade e documenta-o de forma tão bizarra quanto possível. E medita, porque ser mãe/pai também é pensar de outra forma em questões como prioridades, trabalho, o fim da irresponsabilidade, a vida. Questões que, de uma forma ou de outra, a sueca aqui trata. As vozes carregadas de efeitos, umas vezes mais humanas, outras mais alienígenas, ajudam a cimentar uma ideia de mudança e estranheza, como se Fever Ray quisesse reafirmar que isto de ser mãe tem muito de luminoso, mas também um lado sombrio. Em 2007, Burial documentou o lado mais soturno de Londres, com viagens noturnas de carro, metro e autocarro. Fever Ray faz mais ou menos o mesmo exercício, adaptando o tema. Turnos parentais.