Sim, acabámos de entrar em 2019 e este é claramente o momento presente, no qual os carros ainda andam em estradas e não há colónias espaciais em Marte. Mas para os nossos pais e avós, algures nos anos 80 do Século XX, esta data estava a uma distância tão considerável que todas as previsões estavam no domínio da imaginação. Recentemente, o Shifter apresentou as previsões de Isaac Asimov para o futuro. Tal como ele, enquanto alguns se divertiram com a ideia de um futuro com carros voadores e pranchas de skate voadoras (Regresso ao Futuro II em 2015), outros tiveram uma visão mais pessimista do futuro, ou seja, uma distopia.
Para começar, o que é uma distopia? Utopia é o ideal descrito pelo filósofo Thomas Moore no livro com o mesmo nome, publicado no século XVI. A cidade ideal, onde a tolerância e felicidade material são o padrão. A distopia é exatamente o contrário. O futuro que é pior, ou pelo menos não tão optimista. Os melhores exemplos são o filme Metropolis, de 1927, ou as obras clássicas 1984 de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. As distopias ficcionais geralmente têm alguns elementos em comum, como autoridades despóticas, sociedade uniforme com pouca variedade e consequentemente reduzida tolerância em relação a opiniões políticas, credos religiosos ou diferenças culturais e étnicas. De qualquer forma não há limites à criatividade. No final, a regra essencial é um futuro que não é tão brilhante.
Partindo deste princípio revisitámos distopias para percebermos que possibilidades tortuosas foram previstas para o ano corrente?
Há pelo menos 3 exemplos perfeitos de distopias que se passam em 2019.
Blade runner
Primeiro, talvez o mais reconhecido, Blade Runner, o clássico de Ridley Scott, estreado em 1982. Baseado no livro de Philip K. Dick, Será que os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, Harrison Ford desempenha o papel de Rick Deckard, polícia (bladerunner na terminologia do filme) especializado em busca de andróides (replicants) fugitivos. Ainda hoje é considerado uma obra prima da ficção científica. Num mundo onde os carros voam, o ambiente noir dá-nos uma ideia de decadência, mas curiosamente multicultural e no qual várias realidades interagem numa atmosfera Cyberpunk. Facilmente vemos Deckard a deambular por ruas com letreiros Neon em língua Russa e a comer comida asiática num stand. Em 2017 estreou a sequela Bladerunner 2049, daí o original de 1982 ter estado outra vez sob análise por todos os meios de comunicação, Shifter incluído. Os androids são usados em colónias espaciais, para trabalho perigosos e para indústria do sexo. Daí a revolta.
Entre o filme original e a realidade, as diferença principais podem ser apontadas por qualquer espectador. Os seres humanos ainda não colonizaram o espaço, os carros ainda não voam. A semelhança começa quando analisamos a questão central do filme, os androides, inteligentes, que constituem uma frente comum contra os mestres. É basicamente o mito de Frankenstein ou Golem, a criação de máquinas com inteligência suficiente para imitar e substituir pessoas. Mais do que imitar, os Replicants querem ser humanos. A tecnologia começa a ganhar vontade própria.
Ainda não estamos lá, com dificuldade entre reconhecer se um humanoide é um robot ou um ser vivo, mas as capacidades da inteligência artificial e dos famosos algoritmos já começam a preocupar várias almas. Por enquanto, para despistarmos o uso de inteligência artificial em tarefas diárias e em potencial competição usamos extensivamente o CAPTCHA (Computer Automated Public Turing Test to tell Computer and Humans Apart). Alan Turing inventou o método nos anos 50 do século XX para diferenciar inteligência humana de inteligência artificial. Aceitam-se apostas qual o ano em que a Sophia vai despistar ao vivo no Websummit testes de Turing como em Blade Runner.
Akira
Esta é a obra japonesa seminal para todos os ambientes futuristas que se seguiriam no universo da Manga e Anime. Lançado em 1988, Akira é considerado o responsável pela introdução das animações japoneses e adoção generalizada do público do Ocidente do universo e estética cyberpunk do oriente. Outros exemplos como Ghost in the Shell, Cowboy Bebop e mesmo Matrix não seriam as mesmas obras de culto se Akira não tivesse pavimentado o caminho antes.
O cenário pós-apocalíptico inclui uma cidade que em 2019 se chama Neo-Tokyo, desestruturada e em conflito, onde a população está dividida em diferentes grupos, desde fanáticos religiosos a gangs obcecados com tecnologia, dedicando-se ao crime, terrorismo e a corridas de motos. O governo não quer saber, por estar mais preocupado em desenvolver armas psicológicas em humanos. As cenas de corridas de motas são o elemento visual que possivelmente mais marca quem vê o filme.
Em comparação ao mundo de hoje, vemos a divisão e isolamento de grupos de acordo com as diferentes ideologias e interesses (check). As forças políticas não são propriamente despóticas mas sim apáticas ao sofrimento e necessidades dos seus cidadãos onde as massas esperam o aparecimento de um Deus na terra super humano que possam seguir. Outro tema também presente no filme é a evolução das capacidades físicas e mentais potenciadas por tecnologia, provocando a pergunta, mais uma vez, onde está o limite?
Coincidência interessante e até um pouco assustadora, o autor Katsuhiro Otomo faz dos Jogos Olímpicos de 2020 em Neo-Tokyo parte importante do cenário. Sabes onde se vão realizar os verdadeiros Jogos Olímpicos para o ano que vem? Pois é.
The Running Man
Outro filme baseado num livro com o mesmo nome. The Running Man estreou em 1987 com o inevitável Arnold Schwarzenegger a fazer piadas secas e a descrever um mundo no qual os média são manipuladas pelo governo. O departamento de justiça tem acordos com a televisão para enviar criminosos falsamente acusados para um concurso tipo reality show que mistura Gladiadores Americanos e Wrestling com o Preço Certo. As histórias dos competidores são fabricadas para conquistar o apoio do público e os acusados são perseguidos por stalkers escolhidos pela opinião pública.
Qual é a semelhança e a diferença? Enquanto a época dourada da televisão e dos concursos televisivos parece estar a eclipsar-se com o crescimento da internet, o tema das “fake news” e julgamento público em rede social é bem actual. A mistura entre política e entretenimento parece acertar em cheio no alvo. O presidente corrente dos Estados Unidos da América apresentou o reality show The Apprentice durante 14 temporadas e o próprio Arnold Schwarzenegger passou do cinema para a política, ocupando o cargo de Governador da Califórnia de 2004 a 2011. Em 2015 também apresentou o The Apprentice embora com menos sucesso, que motivou uma troca de de palavras azeda com Donald Trump sobre o assunto. E embora não fossem propriamente programas de entretenimento, até o nosso presidente Marcelo foi uma presença assídua em programas de televisão como comentador político. Ainda hoje a sua presença na comunicação social é imensa.
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