O The Guardian é a marca jornalística mais respeitada no Reino Unido, especialmente pelo público entre os 18 e 29 anos, determinou um estudo recente. Um público que prefere ler notícias online em vez de comprar um jornal em papel ou sintonizar a televisão, pelo que sendo o The Guardian quase exclusivamente online, são pontos ganhos. Seja no Reino Unido ou fora dele, o The Guardian é uma referência no jornalismo. Gratuito e sem paywall, as receitas provém de publicidade e também dos próprios leitores, através de donativos e de subscrições.
David Pemsel, director executivo do The Guardian Media Group, que inclui também o semanário The Observer, marcou presença no Web Summit em dois painéis distintos: um deles no palco principal sobre desinformação, e outro num dos palcos secundários sobre monetização. Num e noutro, David partilhou algumas ideias e factos interessantes com a audiência.
The Guardian ganha mais com os leitores que com as marcas
O ‘break-even’ (ou ‘ponto de equilíbrio’), um capítulo importante na história de qualquer órgão de comunicação social – significa que todo o investimento efectuado foi recuperado –, deverá ser alcançado pelo The Guardian em Março de 2019, depois de vários anos a acumular prejuízos e a alimentar uma dívida. “Normalmente quando o objectivo é reduzir dívida e evitar prejuízos, o que se faz de imediato é cortar custos e levantar uma paywall. A nossa estratégia foi um pouco mais sofisticada do que isso”, afirmou David Pemsel. O responsável referia-se ao sistema de donativos, responsável por 12% das receitas totais geradas pelo jornal. Cerca de um milhão de leitores apoiou o The Guardian por esta via em três anos, disse.
Olhando para os donativos em conjunto com ganhos obtidos com subscrições, David Pemsel aponta que as receitas geradas pelos leitores já são maiores (55%) face às receitas publicitárias (45%). David diz que as subscrições aumentaram de forma significativa depois da eleição de Trump e do resultado do Brexit e que inclusive chegaram cartas e e-mails para os responsáveis a rever a utilidade do jornal para travar estes fenómenos.
“Não tem nada a ver com pedir esmolas nem estamos tão mal e tão perto de fechar que tivéssemos de o fazer como se chegou a dizer”, referiu, explicando que os donativos – uma fórmula estudada minuciosamente para perceber qual seria a melhor abordagem ao mercado – são um “tipo de financiamento que os leitores podem dar para tornar o nosso jornalismo de qualidade acessível a todos”. É no mercado doméstico – Reino Unido – que o The Guardian obtém mais regularmente donativos, ainda que dois terços do tráfego sejam doutra proveniência — os EUA representam um terço da audiência, enquanto que o resto do mundo outro terço.
Ainda assim David Pemsel avisou que o modelo de negócio do The Guardian é falível como outros e que, apesar de estar a ser um sucesso, “não quer dizer que possamos parar de procurar outras oportunidades ou dizer que este modelo é o mais sustentável”. Afinal de contas, “ainda não temos um modelo sustentável para o tipo de jornalismo que organizações como a nossa produzem; encontrámos um modelo que funciona no curto prazo mas temos de continuar a procurar um modelo sustentável no longo prazo”. O director executivo do The Guardian Media Group não acredita que os jornais estejam destinados a ser detidos por multimilionários, como é o caso do The Washington Post, do dono da Amazon, Jeff Bezos.
O executivo acrescentou ainda que a Google tem sido um bom parceiro estratégico para o The Guardian, mas torceu o nariz ao referir a relação com o Facebook: “É complicado.” David não entrou em detalhes, mas o The Guardian não é o único a ter o pé atrás em relação à gigante de Mark Zuckerberg; e, se tivermos presente que o jornal britânico foi um dos que publicou as denúncias de Christopher Wylie, tendo sido inclusive ameaçado pelo Facebook com um processo judicial, o ‘é complicado’ de David Pemsel fica mais simples de perceber.
Algoritmos são muito bons a desinformar
Comentando sobre a desinformação, uma ameaça ao jornalismo de qualidade, David Pemsel entende que não deve ser muito difícil encontrar uma solução tecnológica capaz de resolver esse problema, que distinga o que é mau do que é bom, “dada a tecnologia, os milhares de engenheiros e o dinheiro disponível no balancete” que tecnológicas como o Facebook têm. “Não me parece difícil para quem gere estas plataformas fazer um julgamento entre um The Guardian, que é uma organização de notícias independente e protegida pela confiança, em que a grande maioria do que fazemos é factualmente correcto, versus algo que evidentemente não o é.”
O executivo culpa as plataformas digitais e sociais por se desresponsabilizarem continuamente da questão da desinformação, dizendo que chegaram tarde ao problema. “Quando há um ano tinha conversas directamente com os CEOs dessas empresas, diziam-me que não era um problema deles. O nosso problema é conectar os utilizadores, temos um mecanismo muito poderoso para fazer dinheiro, os nossos accionistas estão contentes”, disse, referindo que nos últimos meses começaram a perceber o contrário. David ressalva, no entanto, que “existe evidentemente um modelo de negócio assente na viralização, muito lucrativo”, mas que, mais importante que isso é coexistir um sistema de monetização da viralização e outro da qualidade. O desafio pode passar, por isso, por ligar esses dois modelos.
Pemsel pediu a intervenção dos Governos e das plataformas digitais na resolução do problema da desinformação e perguntou “quais são as consequências se estas plataformas continuarem a a alimentar o tipo de jornalismo ou conteúdo que é francamente incorrecto”. “Antes não tínhamos plataformas com dois mil milhões de utilizadores, nem com inteligência artificial e aprendizagem automática que algoritmicamente serve conteúdo viral em vez de por qualidade. Se são os algoritmos que em última instância vão ditar o que aparece à nossa frente, então temos um grande problema e é preciso existir responsabilidade partilhada.”
O director executivo do The Guardian Media Group falou num painel ao lado de Mitchell Baker, presidente da Mozilla, e de Ana Brnabic, primeira-ministra da Sérvia. Enquanto que Mitchell destacou que as pessoas gostam de partilhar desinformação – e que as mentiras fazem parte da natureza humana (propaganda política, mentiras por interesses económicos, etc) –, Ana lembrou que demasiada regulação às tecnológicas pode levar a sociedades fechadas e isso também não é bom para a democracia. Em vez disso, o Governo sérvio prefere apostar no “pensamento criativo”, isto é, educar as crianças para o ‘como pensar’ em vez de ‘o que pensar’, um tipo de educação que diz ser difícil de aplicar por um Governo.
Já a responsável da Mozilla acrescentou, na linha do seu pensamento supra referido, que é necessária uma evolução das actuais plataformas digitais, ao que o moderador do debate, Matthew Garrahan, do Financial Times, questionou se isso passa por controlar a evolução biológica das pessoas. Não houve tempo para responder a tal provocação. Mas uma coisa é certa, referiu a responsável da Mozilla: “A economia da atenção está a manipular as pessoas e a levá-las para o pior da natureza humana. O que mantém as pessoas a interagir e ‘felizes’ confunde-se muitas vezes com uma adição, prende-se com uma constante indignação, viralidade e resposta instantânea.”
You must be logged in to post a comment.