Porque é que estamos obcecados com o poema “Ozymandias”?

Porque é que estamos obcecados com o poema “Ozymandias”?

25 Outubro, 2018 /

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O que poeta alcança – de forma magistral – é o desarme de todas as figuras políticas que, do alto da sua megalomania, se esquecem de que todos os impérios caiem. É isto que o liga aos nossos tempos, ao impacto do populista, do fala-barato.

“Ozymandias” é um poema muito conhecido de Percy Bysshe Shelley – já o era antes do agora icónico antepenúltimo episódio de Breaking Bad. Só que ainda antes de dar nome a estes dois pedaços de cultura popular, era o nome dado pelos gregos ao faraó Ramsés II – um dos mais memoráveis faraós do Egipto, com um reinado longo e prestigiante. É esta figura histórica que dá nome a uma das imagens “mais Tumblr” da história da poesia – no melhor sentido.

I met a traveller from an antique land
Who said: ― Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. Near them on the sand,
Half sunk, a shatter’d visage lies, whose frown
And wrinkled lip and sneer of cold command
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamp’d on these lifeless things,
The hand that mock’d them and the heart that fed.
And on the pedestal these words appear:
“My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye mighty, and despair!”
Nothing beside remains: round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare,
The lone and level sands stretch far away.

(sim, temos versão pirata em pt, mas têm de fazer scroll down até lá abaixo por nós)

Afinal, é a partir da imagem deste faraó que Shelley nos conta uma história de poder. O relato chega-nos de um viajante e conta-nos a história uma estátua perdida no meio do deserto. É tão simples que se torna avassalador. Trata-se de uma imagem cénica e com uma simbologia clara, onde acrescentamos a riqueza poética do autor, ao dar-nos uma tabuleta onde o próprio Ozymandias escreveu um recado. Infelizmente, estava algo armado em convencido. Numa manobra de destreza poética, Shelley passa de um aviso aos comuns mortais para um reality check ao faraó morto.

O que poeta alcança – de forma magistral – é o desarme de todas as figuras políticas que, do alto da sua megalomania, se esquecem de que todos os impérios caiem. É isto que o liga aos nossos tempos, ao impacto do populista, do fala-barato, de quem merecia apanhar aquela palestra sobre ruínas que o Bruno Vieira Amaral apresenta e onde percebemos que os homens gostam mais de construir do que de preservar.

Shelley começou a escrever o poema em 1817, só depois do anúncio de que o British Museum ia adquirir um largo fragmento da estátua de Ramsés II, datado do século treze A.C. – o que leva a crer vários investigadores que foi este o evento que o levou a escrever o poema. A ideia de que o símbolo máximo de um faraó se torna mercadoria ou antiguidade parece conter logo tensão, algo de energia poética.

É fácil percebermos o uso do poema na série Breaking Bad. Walter White é um professor de química que começa a vender metanfetaminas para apoiar a sua família, mas o percurso vai-se ajustando ao longo do caminho e, quando damos por ele, procura ser algo como um mestre, um sucesso e uma lenda em simultâneo. Se ainda não viram a série, a relação com este artigo é spoiler suficiente. A série faz-nos ver em primeira mão o quanto escolhas em prol da magnitude podem resultar em crash geral.

O poema também tem uma leitura de maior leveza, optimista até, dizendo-nos que por muito que um reinado seja efémero, a arte pode permanecer. Algo que o próprio Ozymandias fez, afinal Ramsés II foi o responsável pelo Ramesseum e pelo templo de Abu Simbel. Estas obras primas duraram muito mais do que o seu longo reinado. Hoje em dia, podem servir de lição a todos os que se mantém obcecados com o poder.

Numa era em que o populismo parece voltar à arena política e onde o disparate é a melhor forma de destaque, é importante que nos lembremos de como a história deixa o infinito em cheque, como o põe de parte no seu desenrolar.

Como ando a fazer a formação de formador e sou persuadido a diversificar o meu catálogo de variedades pedagógicas, deixo uma animação que encontrei no YouTube, feita num software gratuito – o que desculpa alguma da cinematografia. Quem sou eu para me queixar, faz muito bem o seu papel de ilustrar um capacete meio enterrado, dois cotos de calhau.

Conheci um viajante de uma terra antiga,
Disse-me: – Duas vastas pernas de pedra, sem tronco,
Elevam-se no deserto. Perto delas, na areia
já meio coberto, um rosto destruído,
De lábio levantado, olhar frio e arrogante:
Mostra que o esculptor soube ler essas paixões,
Quantas lá sobrevivem, nos fragmentos sem vida,
À mão que as imitava e ao peito que as dava
E no pedestal estas palavras apareciam:
“O meu nome é Ozymandias, Rei dos Reis:
Vejam as minhas obras, haha, e desesperem!”
Nada à volta resiste: no entulho
Da ruína colossal, despido e sem limite,
As areias alisadas perdem-se de vista.

Autor:
25 Outubro, 2018

O Alexandre Couto foi Editor do Shifter, trabalha actualmente como publicitário e colabora com diversas publicações.

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