O “Nobel da Economia” foi anunciado no dia 8 de Outubro mas, atendendo ao facto de ser dos galardões atribuídos aquele que se refere a uma das áreas mais impactantes da sociedade contemporânea, quisemos dar tempo e espaço a leituras e re-leituras antes de te trazer um resumo. Na verdade e a bem do rigor da análise, o Nobel da Economia ou das ciências económicas não se distingue apenas pelo seu impacto na sociedade mas também pela sua origem. Começando pelo facto de nem sequer ser um Nobel na verdadeira assunção do termo.
Ao contrário dos outros cinco — Química, Física, Literatura, Medicina e Paz —, o galardão para a economia não nasceu do desejo de redenção de Alfred Nobel, que ao ver o seu nome associado à invenção do dinamite resolveu doar parte da sua fortuna para premiar os melhores inventos da Humanidade. O The Svreiges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel – o verdadeiro nome da distinção que se traduz em algo como Prémio do Banco Central da Suécia para as Ciências Económicas em homenagem a Alfred Nobel – foi criado bastante mais tarde, 68 anos depois da entrega da primeira leva de distinções. Ponto que merece atenção e já mereceu por diversas vezes críticas.
Afinal de contas, se os Nobel foram um desejo de Alfred Nobel para se redimir da invenção do dinamite, o que levaria uma distinção a surgir 68 anos depois? A história está longe de ser consensual, apesar da confusão crescente à medida que o tempo passa e da equiparação promovida pela grande parte dos órgãos de comunicação social. Basta pesquisar pelo termo Nobel da Economia para as notícias surgirem em catadupa sem destrinça dos demais, ocultando o contexto que lhe deu origem.
“Em celebração do Terceiro Centenário do Banco Nacional Sueco, o Banco instituiu o prémio para as ciências económicas em memória de Alfred Nobel.”
A “ovelha negra” dos Nobel
Tal como o verdadeiro nome do prémio indica, este prémio foi criado pelo Banco Nacional Sueco e a sua origem não foi bem aceite como o silêncio e a confusão fazem crer. Ainda em 2001, quatro descendentes de Alfred Nobel tornaram público seu desejo de deixar de ver o nome de Nobel associada a tal prémio, que, segundo eles, não corresponde ao espírito e idealismo que Nobel pretendia preconizar com as premiações.
Philip Morowski, historiador e filósofo político, coordenou um estudo que também acrescenta uma leitura interessante a esta realidade. Após acesso da sua equipa multi-disciplinar e versada em línguas aos documentos que deram origem ao prémio para as ciências económicas, para este Professor é mais ou menos claro que os motivos da sua criação tenham sido sobretudo políticos. Conforme explica no vídeo que podes ver abaixo, resumindo a sua investigação, Morowski acredita que a ideia terá surgido como forma de credibilizar a economia, dando força para que o Banco Nacional Sueco ganhasse independência política e deixasse de estar sobre escrutínio democrático.
Mas as críticas não surgiram apenas agora, nem após tanto estudo. Já em 1974, um dos economistas até hoje mais citados, Frederich Hayek, revelou na sua carta de agradecimento a discórdia em relação à existência do prémio, sintetizando as criticais em comparação com as outras áreas.
Para Hayek a distinção de um economista não pode ser vista da mesma forma que a de outro cientista, porque, ao contrário destes, as descobertas não afectam apenas os seus pares, sendo a influência muito maior e mais globalizada.
“[Nas ciências naturais] a influência exercida por um individuo é sobretudo nos seus colegas especialistas; e eles vão rapidamente encarregar-se de o reduzir ao seu tamanho caso exceda as suas competências.
Mas a influências de um economista que mais importa é sobre os leigos: políticos, jornalistas, funcionários públicos e população em geral.
Não há razão para que um homem que tenha feito uma contribuição nas ciências económicas seja omnicompetente em todos os problemas da sociedade — como a imprensa tende a tratá-lo até que no final ele próprio acabe por acreditar nisso”
Em resposta às críticas
Ciente das críticas, o Banco Nacional Sueco tem procurado resolver as questões menos consensuais com uma aparente parcimónia na entrega dos prémios – promovendo a pluralidade de pontos de vista em derretimento de uma visão singular. Um dos casos mais simbólicos desta abordagem deu-se em 2013, com os premiados nesse ano, Robert Shiller e Eugene Fama, a discordarem absolutamente entre si, chegando ao ponto de trocar palavras menos simpáticas. Robert Shiller dizia que as descobertas de Fama deviam ser como as de um católico que descobria que afinal Deus não existia em afirmações contundentes e polémicas.
Essa ambiguidade característica das ciências sociais onde dificilmente se replica o método científico por completo — sim, agora pode sempre dizer-se que há amostras de big data — é o outro ponto de descrédito neste prémio que desde logo foi levantado por Hayek. Para o austríaco, conceder um prémio desta natureza a um economista confere-lhe um peso que nenhum homem devia ter, quando muito, apenas muitos anos depois do feito se consumar e comprovar. Mesmo nas restantes áreas existe um delay entre as descobertas e as premiações, algo que no caso da economia não é tão notório — por exemplo Subrahmanyan Chandrasekhar foi galardoado em 1983 com o prémio Nobel da física por um trabalho durante a década de 1930.
É só depois de feito este enquadramento que devemos olhar para os vencedores de cada ano porque só assim podemos perspectivar a uma distância intelectual suficiente os seus feitos, sem os assumirmos como passos de mágica para a resolução dos grandes problemas mundiais; afinal de contas, como dizia o vencedor de 2013, Shiller, “este é o mundo em que vivemos, quando falamos de economia as pessoas têm emoções, não é como a química ou a física”, sendo por isso importante considerar a subjetividade dos modelos.
William Nordhaus e Paul Romer, os Nobel de 2018
De resto, não são precisas muitas leituras para que se veja traduzidas as ideias dos Nobel anuais em medidas políticas — basta ler o primeiro parágrafo do New York Times em que se refere o trabalho de William Nordhaus – um dos vencedores do Nobel da Economia deste ano – na persuasão de governos para abordarem o aquecimento global, principalmente através das taxas de emissão de carbono. E é esta dimensão política que não se pode esquecer e que faz do prémio mais do que uma distinção científica, uma potencial arma de condicionamento político. E, se achamos que isso não nos pode “enganar”, recordemos o “Nobel da Economia de 2003”, Daniel Kanehman, que nos alerta para a tendência excessiva do nosso cérebro para encontrar lógicas mesmo onde não existem.
Quanto aos vencedores deste ano eles foram, conforme referido, William Nordhaus, um professor da Universidade de Yale que resumidamente postula que os governos devem cobrar a quem poluir mais o ambiente e consequentemente a saúde pública; e Paul Romer, da Universidade de Nova Iorque, que tem uma visão mais positiva e desenvolveu a ideia de que os governos podem estimular a inovação ao investirem na investigação e em leis de proteção de propriedade intelectual, e premiarem a inovação mas não excessivamente.
A dimensão simbólica e política do prémio não é rejeitada e, de certo modo, até é aceite e assumida pelo comité de júris, algo que ficou demonstrado pelas palavras de Goran K. Hansson, secretário geral da Real Academia Sueca das Ciências, que diz que “a mensagem é que é preciso os países cooperarem globalmente para resolver os grandes problemas”.
Em tempos em que a economia é usada cada vez mais como pretexto para medidas políticas, é importante que o seu escrutínio vá para além da aceitação impávida de prémios e a distinção acima dos mortais de certas ideias, sendo mais valioso do que o prémio, a sua contextualização e relativização. Se não é provável que comecemos a advogar um determinado tratamento para todos os cancros em honra do Prémio Nobel da Medicina porque nem o percebemos bem, é saudável que assumamos — políticos e comentadores incluídos — que também não percebemos assim tão bem o Nobel da Economia, embora nos pareça tão relacionável com o nosso dia-a-dia.