Entrou de mansinho pelo teu feed, com os seus poemas inspiracionais, simples de perceber e interiorizar, altamente fotogénicos. Rupi Kaur tem 25 anos e uma história que a exilou na escrita — a forma que arranjou de lidar com o amor, a perda, o abuso infantil e, finalmente, a cura. Nasceu na Índia, emigrou com os pais para o Canadá, e é tão filha do mundo globalizado de hoje, como fruto da era digital que o acompanha.
É que, o que talvez não saibas é que foi no Instagram que agora se enche de fotografias dos seus poemas que tudo começou. Os poemas que agora lês nas fotos tiradas pelas tuas amigas que já compraram os livros de Kaur, começaram mesmo por ser publicados pela própria na sua página. Foi lá, e no Tumblr, que começou a sua carreira como Instapoet. Sim, porque praticamente em sua homenagem foi criado um termo para se referir a esta nova geração de poetas, que usa a rede social para encontrar os seus públicos e audiências.
Embora tenha trilhado o seu caminho com palavras, a sua fama inicial no Instagram não teve nada a ver com a sua poesia. Há três anos, Kaur publicou uma fotografia sua deitada numa cama de costas para a câmara, com as calças sujas de sangue menstrual. A rede social removeu a imagem — tirada para um projecto da faculdade através do qual Kaur tinha que “desafiar um tabu”.
O caso teve muito eco e o site acabou por se desculpar e publicar a foto, mas não sem antes Rupi escrever uma carta no Facebook onde falava em censura, partilhada mais de 18 mil vezes. A sua resposta foi viral e cedo começou a dar entrevistas para publicações como o The Huffington Post ou a Vice sobre a necessidade de “desmistificar o período”. Em entrevistas mais recentes, Kaur diz que agora desejava nunca ter escrito aquela carta — curioso, pois foi assim que ganhou grande parte dos mais de 2 milhões e 200 mil seguidores que tem hoje no Instagram. Diz ter recebido ódio de todos os cantos do planeta mas assume que beneficiou a sua carreira: “Eles vieram pela foto, mas ficaram para a poesia.”
Esta sua leva de popularidade levou eventualmente à publicação do seu primeiro livro. Lançado originalmente pela própria na Amazon, tornou-se tão famoso que não passou despercebido no mundo editorial e os seus direitos foram adquiridos. Milk & Honey foi para Kaur uma história de sobrevivência através da poesia, um guia de sobrevivência para os seus conterrâneos millennials, escrito do alto dos seus 21 anos. O seu livro de estreia vendeu mais de 1 milhão e 600 mil cópias em 2017 e Rupi foi mesmo considerada a autora mais popular dos Estados Unidos, com feitos conquistados como ter Milk & Honey no número um da lista de livros do New York Times.
Contrariando a ideia de que já ninguém lê poesia, Rupi Kaur tornou-a pop, com grande parte da sua convicção a vir de uma espécie de vulnerabilidade pouco artística e da vontade meio ingénua de desbobinar tudo o que tem em mente — aquilo que o New York Times descreveu como “um cruzamento entre Charles Bukowski e Cat Power”.
Mas um poeta com popularidade mainstream é tão raro hoje em dia, que leva muitos a questionar se não haverá algo de errado em definir o trabalho de Kaur dessa forma. Como em tudo, para cada fã fervoroso há um crítico de teclado. O seu estilo de versos livres e fragmentados fazem-na presa fácil para os mais cépticos. Várias críticas acusam o seu trabalho de ser demasiado simplista, à lá Gustavo Santos, traçando comparações com a realidade portuguesa — o seu poema “If you are not enough for yourself / you will never be enough / for someone else” teve mais de 180 mil likes no Instagram.
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-rupi kaur— bobby (@bobby) July 23, 2017
Rupi Kaur traça uma linha ténue entre a acessibilidade e o demasiado simples, que acaba por levar muitos dos seus poemas na direcção da segunda. Kaur não acha que a sua poesia seja simples. Para si, é directa: “É como um pêssego. Tens que remover tudo para chegar ao que interessa. A arte deve ser acessível às massas e quando começamos a adaptá-la de forma a torná-la imperceptível para as pessoas, aí é que há um problema. Para quem é que criamos arte afinal? “
A juntar ao vai e vem de haters, outra Instapoet, Nayyirah Waheed, veio recentemente acusar Kaur de plágio e de ignorar as suas mensagens sobre as semelhanças entre os seus trabalhos. À parte das alegações, a verdade é que ambas as escritoras encontraram uma fórmula vencedora: peças curtas e confessionais, com quebras de linha erráticas para marcar verdades relacionáveis com quem não consegue muitas vezes exprimi-las.
O feed de Kaur é imaculadamente desenhado, uma espécie de tabuleiro de damas dos seus poemas — todos em minúsculas, muitos com as suas ilustrações — que alternam com fotografias, quase todas profissionais. Os seus livros aparecem geralmente publicados pelos fãs em fotografias ao lado de figos, canecas de chá, entre lençóis brancos cuidadosamente amarrotados, paisagens de nuvens, no colo de coxas nuas ou debaixo de ramos de flores. O design mate da capa de Milk & Honey e a simplicidade do de The Sun and Her Flowers, apoiados pelos desenhos lineares e as letras minúsculas, transmite a mensagem “Estou a ler um livro!” com a franqueza e candura de poucos — com uma pitada feminista tão requerida hoje em dia.
Toda a sua existência digital assenta como uma luva no termo que se tornou o seu reino. Não é por acaso que se tornou um verdadeiro fenómeno. Rupi Kaur é profunda e verdadeiramente uma poeta de Instagram. À maneira do meio onde o difunde, o seu trabalho é experiência humana, ordenada e monetizada, tornada inspiradora e relacionável num equilíbrio perfeito. Os seus poemas são, na sua maioria, curtos o suficiente para se encaixarem no quadro quadrado do Instagram e os seus sentimentos e emoções genéricos o suficiente para serem universalmente reconhecíveis.