Como funciona o ‘Impeachment’ nos EUA e como poderá ser o de Trump

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Foto de The White House via Flickr

Como funciona o ‘Impeachment’ nos EUA e como poderá ser o de Trump

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Um Impeachment pela câmara baixa não impediria Trump de concorrer às Presidenciais de 2020, mas poderia prejudicá-lo politicamente.

(Este artigo é a segunda parte da cobertura sobre o recém iniciado processo de Impeachment de Donald Trump. Podes ler a primeira parte aqui.)

É na Câmara dos Representantes que tudo começa. A líder da câmara baixa, Nancy Pelosi, abriu um inquérito para que os seus membros determinem se Trump cometeu “crimes e contraordenações” que justifiquem o seu afastamento.

Na prática, seis comissões parlamentares que já estavam a investigar o Presidente por infrações que vão desde usar o cargo para obter benefícios pessoais a violação de leis de financiamento de campanhas, passando por desvio de fundos, vão passar a fazê-lo para efeitos de um processo de Impeachment. Se concluírem que se justifica, a comissão de Justiça emitirá artigos de Impeachment, que serão sujeitos a votação do plenário da Câmara dos Representantes.

A grande maioria da bancada democrata na Câmara dos Representantes apoia o Impeachment; ainda assim, o processo pode durar alguns meses até à votação e implicará ouvir testemunhas. Se passar na Câmara, sobe ao Senado, que promove um julgamento conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Membros da Câmara dos Representantes servem de acusação, os 100 senadores são os jurados e o Presidente tem direito a defender-se. A votação final exige dois terços para fazer cair Trump da Casa Branca.

Relembro que na câmara baixa é a oposição quem detém a maioria — 235 democratas, 198 republicanos, um independente e um lugar vago por demissão —, mas o Senado é dominado pelos republicanos — 53-45, com dois independentes pró-democratas —, companheiros de partido de Trump. Mesmo que os senadores democratas e independentes apoiassem a demissão de Trump, é difícil imaginar 20 republicanos a agir contra um Presidente do seu partido. O desfecho podia ser diferente caso novas revelações escandalosas ou um desenvolvimento polémico do caso mudassem a opinião de alguns deputados.

Caso Donald Trump seja expulso de Washington, é o seu vice-presidente Mike Pence quem assume o cargo.

Qual a verdadeira possibilidade de acontecer um Impeachment de Trump?

No anúncio da abertura do inquérito, Nancy Pelosi afirmou que Trump “violou seriamente a Constituição”. “Esta semana, o Presidente admitiu que pediu ao Presidente da Ucrânia para agir de forma a beneficiá-lo politicamente”, declarou a Presidente da Câmara. Para Pelosi, Trump traiu o seu juramento presidencial, a segurança nacional americana e a integridade das eleições de 2020 — a conversa, segundo os democratas, expõe um repto à interferência estrangeira nas eleições de 2020. O próprio Joe Biden declarou na terça-feira ser favorável ao Impeachment de Trump no seguimento do caso. 

Vários analistas políticos consideram que a decisão tem mais impacto por ter vindo de um peão tão importante como Pelosi, neste jogo de poderes. Só depois de muita pressão democrata é que a Presidente da Câmara, que é vista como uma das negociadoras mais experientes de Washington, decidiu iniciar o inquérito para o Impeachment contra Trump. A História não terá ajudado à decisão.

No último episódio de Impeachment pelo qual o país passou, em 1998, o tiro saiu pela culatra. Além de não ter sido condenado pelo Senado, Bill Clinton viu os seus números de popularidade atingirem recordes durante o processo, e os Republicanos, vistos como extremistas, perderam cadeiras no Congresso nas eleições de 98. O resultado final foi tão devastador que levou à renúncia do Presidente da Câmara à época, o Republicano Newt Gingrich.

Talvez Pelosi temesse que um pedido de Impeachment fizesse com que também os Democratas fossem vistos como extremistas e quisesse tentar derrotar Trump apostando todas as fichas nas urnas em 2020. Mas na semana passada, a democrata ter-se-á inspirado noutro famoso caso de Impeachment, o de Richard Nixon em 1974, que se demitiu na expectativa de que o Congresso o expulsasse pelos seus crimes no Caso Watergate, antes sequer de o processo de destituição ser aprovado pela Câmara dos Representantes.

Sendo praticamente impossível que o Senado republicano deixe passar o processo de destituição de Trump, a jogada política de Pelosi fica assim dependente do mesmo factor que fez cair Nixon há 45 anos: a opinião pública. A democrata já argumentou publicamente que só a admissão pública de Trump de que conversou com Zelenskiy sobre Biden representa por si só um abuso de poder de um Presidente a procurar ajuda estrangeira para ter a reeleição. Mas a reacção dos eleitores pode decidir quem ganha a Casa Branca em 2020 e definir o rumo do país nos próximos anos. Quanto menos a percepção do público for a de que o Impeachment é meramente uma jogada político-partidária, maior o apoio popular e a legitimidade do processo.

Ao contrário do que aconteceu com Clinton em 1998, em 73 a opinião pública nos Estados Unidos foi a de que os congressistas estavam a conduzir os procedimentos de forma adequada e havia evidências suficientes para a demissão de Nixon. Consequentemente, houve uma queda expressiva dos índices de aprovação do Republicano, que passaram de 60% para cerca de 20% aquando da sua renúncia em Agosto de 1974.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1176606660279898112

Para além disso, há pelo menos duas diferenças importantes entre Trump e os casos de Clinton e Nixon. Uma é o facto de Trump ser o único Presidente na história que já assumiu o cargo com rumores de que poderia sofrer um Impeachment, assumindo a Casa Branca já com uma investigação do FBI em andamento. A outra é que, tanto com Nixon como com Clinton, os procedimentos de Impeachment foram iniciados no segundo mandato como Presidentes.

Nesse sentido, o caso de Trump é mais próximo do primeiro caso de Impeachment presidencial na história dos Estados Unidos: o de Andrew Johnson, em 1868, quando contava 3 anos de mandato. Os processos contra Johnson e Clinton foram os únicos aceites pela Câmara em quase 250 anos de democracia ininterrupta nos Estados Unidos, mas nenhum dos dois foi condenado pelo Senado e ambos mantiveram os seus cargos até ao final dos mandatos.

Agora, existe a possibilidade de acontecer um Impeachment pela segunda vez nos últimos 20 anos, reflectindo o estado fragmentado de uma nação dividida ao meio, que ficou ainda mais polarizada pela presidência de Trump.

Um Impeachment pela câmara baixa não impediria Trump de concorrer às Presidenciais de 2020, mas poderia prejudicá-lo politicamente. Por outro lado, uma tentativa falhada poderia fortalecer a sua recandidatura e prejudicar o Partido Democrata — para o ano está não só em jogo a Presidência, mas a totalidade da Câmara dos Representantes e um terço do Senado.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1176819645699043328

De acordo com a CNN, a denúncia do agente da Inteligência foi entretanto desclassificada como secreta e pode vir a ser divulgada esta quinta-feira. O documento com a denúncia, que terá cerca de 10 páginas, foi entregue na quarta-feira à tarde no Capitólio, dando aos legisladores um primeiro olhar sobre a acusação que levou os democratas a iniciar um inquérito formal de Impeachment. No mesmo artigo, a CNN cita vários democratas que tiveram acesso ao documento, que o consideraram “perturbador” e referem que a denúncia “reforça as preocupações”. “Depois de ler os documentos, estou ainda mais preocupado com o que aconteceu do que quando li a transcrição da conversa”, disse o líder do partido no Senado, Chuck Schumer.

Desde o anúncio de abertura do inquérito que vários democratas têm acusado a Casa Branca de não querer divulgar a denúncia da fonte. O deputado da Califórnia, Eric Swalwell, membro dos comitês Judiciário e de Segurança da Câmara, disse à CNN, que o director interino do Serviço de Inteligência Nacional Joseph Maguire está a impedir os legisladores de ver o relatório completo.

Durante uma entrevista conjunta em Nova York — com nada mais nada menos que o próprio Zelenskiy que, numa coincidência (in)feliz, acabou por ter um encontro marcado com o homónimo norte-americano nos dias em que rebentou o escândalo que envolve ambos —, Trump subestimou o significado da denúncia, alegando que o denunciante é partidário e que as suas conversas com líderes estrangeiros são “apropriadas”. Num tweet, mais tarde, o Presidente dos Estados Unidos escreveu que já informou os republicanos da Câmara que quer total transparência na divulgação e tratamento das informações.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1176953905776910341

(Este artigo é a segunda parte da cobertura sobre o recém iniciado processo de Impeachment de Donald Trump. Podes ler a primeira parte aqui.)

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  • Rita Pinto

    A Rita Pinto é Editora-Chefe do Shifter. Estudou Jornalismo, Comunicação, Televisão e Cinema e está no Shifter desde o primeiro dia - passou pela SIC, pela Austrália, mas nunca se foi embora de verdade. Ajuda a pôr os pontos nos is e escreve sobre o mundo, sobretudo cultura e política.

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