Para quem estão desenhadas as cidades

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Ilustração de Freepik

Para quem estão desenhadas as cidades

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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Está provado que a vida na cidade não é igual para todas as pessoas que nela habitam. Mas para quem estão, afinal, desenhadas as cidades? Cidadãs, académicas e ativistas respondem.
[Este artigo foi publicado na 4ª edição da Revista do ShifterPodes comprá-la, na sua versão física, aqui.]

Maria Janeiro vive no centro de Lisboa desde que se lembra. Por muito que já tenha viajado pelo mundo, este é o sítio onde quer sempre regressar. “Lisboa para mim é casa, é felicidade e o meu porto seguro.” Mas nem sempre é assim. Há memórias na sua cidade que se colam à percepção de conforto e segurança que (nem sempre) tem, e que não consegue ignorar.  Nestes 25 anos de vida, foi aprendendo a defender-se dos perigos iminentes que existem na cidade — e que a assaltam por ser mulher, está certa. “Acredito que o meu irmão veja Lisboa de forma diferente”.

Há dois fatores na identidade de Maria que agudizam esta sensação de insegurança: é uma mulher lésbica. “A partir de determinada hora da noite, ou em situações mais vulneráveis, como dentro de um Uber, sinto a necessidade de esconder o facto de estar numa relação com uma mulher, evitando demonstrações de afeto tão simples como dar a mão ou um olhar mais demorado”, conta. Isto acontece porque já foi vítima de assédio na rua “por parte de homens adultos”, mas também dentro de casa. Nenhum dos homens que a abordou na rua sentiu pudor em opinar sobre a sua relação; muito pelo contrário. Foi Maria quem começou a ficar com pudor de sair à rua de mão dada com a namorada a partir de determinadas horas da noite. 

Para se proteger, mesmo quando vai sozinha, desenvolveu algumas táticas: “Se voltar para casa de noite, tiro os brincos, fecho o casaco, tiro o batom, apanho o cabelo, desdobro as calças – tudo mecanismos para parecer menos feminina, logo menos interessante ao olhar de um predador”, explica Maria. “Não sou a única mulher que já foi assediada verbal e fisicamente, perseguida até casa, ou que tem por hábito levar as chaves entre os dedos ao chegar a casa e a partilhar a localização com uma pessoa de confiança.”

Não há dúvidas quanto às diferenças que podem existir nas experiências de diferentes pessoas, com diferentes perfis e características identitárias e sociais, numa mesma cidade. Ao longo dos últimos anos, livros como “Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men”, de Caroline Criado Perez, e “Feminist City: Claiming Space in a Man-made World”, de Leslie Kern, têm chamado a atenção para a falsa ideia de neutralidade existente na construção das cidades e das estruturas sociais. É por isso que Natália Fávero, arquiteta estagiária e investigadora, alerta para a falta de atenção que “tem sido dada à relação das vivências das mulheres com o espaço público da cidade”. Foi com essa premissa que decidiu dedicar a sua tese de mestrado em Arquitetura ao Urbanismo Feminista. 

Urbanismo feminista – Teoria ou movimento social que reúne um grupo eclético de profissionais de várias áreas ligadas ao planeamento urbanístico para desenhar cidades mais acessíveis a todas as pessoas.  

Para Natália Fávero, são pequenos gestos que podem transformar uma cidade feminista. “Mais casas de banho públicas, mais bancos, menos anúncios de rua que retratem cenas sexistas ou hipersexualizando corpos de mulheres”, por exemplo. No entanto, relembra que não são ações que pareçam urgentes ou apelativas em campanhas políticas. O principal problema, alerta, é “estes problemas serem vistos como ‘não problemas’” e “não serem vistos como urgentes o suficiente para serem incluídos na agenda política”. Mas para quem estão, afinal, desenhadas as cidades? A quem serve a ideia de “desenho universal” ? 

Medo de sair à rua 

“Invisible Women” de Carolina Criado Perez tornou-se um best-seller. Foi, provavelmente, a primeira vez em que um livro que expôs as desigualdades na vida de todos os dias vendeu tantos exemplares. O livro começa com uma frase de Simone de Beauvoir que é bastante representativa do grande tópico em que Criado Perez se debruçará nas páginas seguintes: “A representação do mundo, como o próprio mundo, é o trabalho dos homens; eles descrevem-no através do seu ponto de vista, que confundem com a verdade absoluta.” Mais à frente, nas suas palavras, diz que “um planeamento urbanístico que falhe na resposta aos riscos de mulheres poderem ser assediadas sexualmente é uma clara violação do direito igualitário das mulheres ao espaço público”. 

“Não sou a única mulher que já foi assediada verbal e fisicamente, perseguida até casa, ou que tem por hábito levar as chaves entre os dedos ao chegar a casa e a partilhar a localização com uma pessoa de confiança.”

A autora britânica recorre a vários exemplos, nos diferentes continentes, que dão forma à frase de De Beauvoir e que sustentam a ideia de que o mundo não está desenhado para as mulheres, mesmo que existam algumas cidades mais progressistas do que outras. No segundo capítulo, partindo do exemplo das mulheres de Mumbai, na Índia, diz algo que podia relacionar-se com a história de Maria Janeiro, em Lisboa: “as mulheres estão frequentemente com medo nos espaços públicos”. “Na verdade, tendem a sentir o dobro do medo dos homens”, continua. De acordo com um estudo do Departamento para o Transporte do Reino Unido, citado por Perez, 62% das mulheres têm medo de caminhar em parques de estacionamento fechados, 60% têm medo de esperar nas plataformas de comboios, 49% têm medo de esperar numa paragem de autocarro. 

No Reino Unido, o livro de Caroline Criado Perez já era um sucesso quando o nome de Sarah Everard fez capa dos principais jornais no mundo inteiro. Estava só a ir para casa quando desapareceu, em Londres. Veio-se a saber mais tarde que foi raptada, violada e assassinada por um polícia. O caso de Sarah Everad, que tinha 33 anos, chamou a atenção para a violência contra as mulheres — e não foi caso único. Para todas as que já tinham medo de andar sozinhas na rua durante a noite, foi a confirmação de que pode acontecer. 

O assédio é um dos principais motivos para esta sensação de medo no espaço público. E do ponto de vista interseccional, a rua pode representar diferentes tipos de perigo para diferentes pessoas. No Brasil, a cidade de São Paulo fez um levantamento de informações relativas à população trans com cerca de 1650 pessoas trans entrevistadas. Alguns dos dados divulgados indicavam que 80% dessas pessoas eram alvos fáceis de violência verbal e que muitas destas pessoas eram expulsas de casa pelas suas famílias, sendo por vezes obrigadas a viver na rua. 

O caso do Brasil é bastante paradigmático no que diz respeito a violências para com pessoas trans: em 2022, tornou-se o país que mais mata pessoas trans e travestis pelo 13.º ano consecutivo. Em 2021, foram 140. Este dado publicado no dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2022 estava acompanhado de outras informações que permitem ter uma noção mais abrangente das diferentes camadas de opressão a que maior parte das pessoas trans e travestis assassinadas no Brasil estava sujeita, já que eram negras ou pardas. 

O espaço público apresenta, por isso, vários desafios a quem não se enquadra no conceito de “neutralidade” que serve de base do seu desenho.  E isto aplica-se a momentos de usufruto do espaço público por lazer, mas sobretudo aos momentos que representam deslocações. Percorrer uma rua de dia não constitui a mesma sensação de perigo iminente que percorrer uma rua à noite. Quando a rua é pouco iluminada e não tem ninguém, surge o medo de não ter ninguém a quem pedir ajuda caso alguma coisa aconteça. E caso a pessoa que caminha sozinha seja já  alvo de preconceito e assédio independentemente do lugar ou  da hora do dia, há mais uma camada de perigo para ter em consideração. 

Espaço público para quem?

Rosa Félix, investigadora em mobilidade ativa no ISCTE, diz ao Shifter que “a evolução das cidades tem desprezado muito a utilização do espaço público” e que “o usufruto do espaço público por pessoas é o que traz maior segurança para toda a gente”.  Quando fala da utilização do espaço público, Rosa refere-se à existência de comércio, pessoas a andar no passeio ou sentadas em bancos para descansar. Para a investigadora, um dos maiores inimigos desta utilização do espaço público foi o crescimento da utilização do automóvel e “a permissividade de que ele ocupe o espaço público, que antes era ocupado por pessoas, e que fez com que as ruas passassem a estar bastante mais desertas”. 

Mesmo nas imediações das casas, Rosa alerta para o facto de já pouco se circular. “Quando começas a ter garagens que saem diretamente dos prédios, as pessoas já nem andam na rua, já nem vão pôr o lixo; está tudo dentro dos edifícios”. E até nos prédios, a falta de convívio entre a vizinhança aumenta a sensação de insegurança. Maria Daniel Loureiro sentiu-o quando vivia em Londres: o desligamento que vem da individualidade. Mudou-se do Porto a meio de julho de 2020, poucos meses depois de ter estalado uma pandemia, e desde logo conseguiu perceber quais eram os pontos atrativos de viver numa grande capital europeia. Por ali, tudo podia acontecer. Mas havia tanto de entusiasmante como de solitário.

“Eu sentia que havia muita indiferença. Logo nos primeiros meses eu dizia aos meus pais e aos meus amigos que sentia que em Londres podia desmaiar de um momento para o outro no meio da rua e as pessoas iam arrastar-me para o lado em vez de me ajudarem”, recorda Maria. E houve mesmo uma situação em que isso aconteceu, não consigo, mas com uma pessoa estranha em frente à sua casa. Era um final de tarde de janeiro e já estava escuro quando Maria estava a regressar a casa e assim que entrou no seu apartamento ouviu gritos desesperados vindos da rua. Foi à janela e viu uma rapariga deitada no chão, aos gritos, que tinha acabado de ser assaltada e agredida. Mas ninguém foi ter com ela até Maria e a colega de casa terem tido iniciativa. “ A miúda estava cheia de sangue, estava nervosa e só estava a conseguir falar francês e ninguém a estava a ajudar. Eu fiquei mesmo chocada. Ainda por cima tinha vindo da mesma rua uns momentos antes, podia perfeitamente ter sido eu, e fiquei a pensar muito como é que ninguém tinha feito nada.” 

As propostas de urbanismo feminista propõem soluções para que a comunidade se reorganize, mas procuram também propostas concretas que possam melhorar a qualidade da relação de todas as pessoas com as cidades. Há pontos em comum nas propostas do desenho de uma cidade feminista de Rosa Felix e Natália Fávero. A arquiteta estagiária e investigadora propõe “ações cirúrgicas, de cosedura de pontos da cidade”: “mais bancos, mais casas de banho públicas, mais ruas pedonais, arborizadas e iluminadas, e passeios largos e confortáveis”. A nível do planeamento, sugere a ideia da “cidade de 15 minutos”, na qual todos os equipamentos vitais deverão estar a um raio máximo de 15 minutos a pé das nossas casas.

Para Natália Fávero, não existe um estilo ou tipo de cidade que “seja resposta direta para as problemáticas das mulheres e de outras particularidades que cidadãos possam ter”. Aquilo que os coletivos de urbanistas com viés feministas, como o grupo de barcelonesas Equal Saree, que é uma das referências da arquiteta, propõem “são metodologias que possam ser aplicadas quando se trabalha o desenho da cidade e adaptáveis a qualquer contexto”. Natália explica que essas metodologias costumam dirigir-se a escalas mais pequenas, como o bairro ou até mesmo a rua, e propõe trabalhos de participação e co-criação com as comunidades de moradores. Outro objetivo sempre presente para estes coletivos de urbanistas é “ garantir a presença da maior variedade possível de pessoas (mulheres, crianças, idosos, pessoas racializadas, pessoas de diferentes classes sociais, de diferentes capacidades motoras, etc.)”.

Um dos projeto das Equal Saree que Natália Fávero destaca na sua tese de mestrado, “A Condição das Mulheres no Espaço Público”, é o Walking India. Consiste num mapa que permite perceber as diversas viagens que as mulheres indianas têm de fazer diariamente, e que acaba por ser bastante representativo do tipo de atividades que fazem. Através desses dados,  o coletivo de Barcelona consegue perceber as necessidades concretas do grupo com que está a trabalhar. Para a construção de um plano urbano feminista em Portugal, Natália Fávero considera que seria fundamental que existe também o “reconhecimento destas vivências particulares, subjetivas e diversas das mulheres, que aparentemente nunca estão contabilizadas e que são muito diferentes das vivências do sujeito neutro e abstrato para o qual projetamos as cidades”. 

Rosa Felix tem estudado os deslocamentos feitos através de bicicleta. Levanta várias questões relacionadas com a utilização de bicicleta por mulheres: nem sempre existem condições para que se sintam seguras a deslocar-se num meio que, comparado com o carro, é mais frágil e oferece menos proteção. “Às vezes é uma questão de voltar às tantas da noite numa rua que não tem ninguém e sabe-se lá quem é que pode sair detrás daquela árvore”. E a segurança criminal e a segurança rodoviária aproximam-se mais quando falamos de comunidades marginalizadas: “A posição mais segura para uma pessoa andar de bicicleta é no meio da via, no meio do eixo, mas uma pessoa a quem sempre foi dito que o seu lugar é atrás ou  na ponta da mesa, e que nunca foi incentivada a impor-se, vai ter mais dificuldade em assumir essa posição primária de se pôr no centro da via.  Vai assumir a sua posição de segurança, mais encostada à berma e muito mais susceptível de sofrer uma colisão ou de cair.” 

A investigadora do ISCTE, que é também co-fundadora da FEMINA, uma ciclo-oficina para mulheres e pessoas trans e não-binárias, não tem uma resolução para essas dificuldades, mas acredita que têm de ser tidas em conta. Na perspetiva de Natália, Portugal é um país onde já se discute bastante a questão da violência sexual e do assédio no espaço público, bem como a importânica da socialização dos cuidados e do trabalho reprodutivo. Destaca projetos de urbanismo que estão a decorrer neste momento como “Mulheres em Construção”, da associação Mulheres na Arquitetura, promovido pelos Bairros Saudáveis em parceria com o IEFP. Mas o que será “crucial”, acredita, é que exista um avanço a nível de políticas públicas, como acontece em Espanha. “Disso é que ainda estamos um pouco distantes.”

Cidades (in)acessíveis 

Percorrer uma grande cidade como Lisboa ou Porto pode ser um desafio. Num passeio estreito, com carros mal estacionados, alguém que transporta um carrinho de bebé não consegue passar. Numa rua com passadeira que não tenha rampas, alguém que se desloca numa cadeira de rodas não consegue atravessar. Numa zona pouco iluminada, uma pessoa que frequentemente se sente pouco segura na rua, vai sentir-se ainda menos segura. A falta de acessibilidade e de iluminação não constituem um problema iminente para pessoas para quem esta questão não é impeditiva — e durante muito tempo, foram essas pessoas que traçaram os planos urbanísticos da cidade. Homens sem deficiência, que não se deparavam com as dificuldades de uma mulher ou um grupo minoritário porque não as sentiam na pele. 

Para Catarina Oliveira, é muito claro que não existem cidades neutras. Antes de ser uma pessoa com deficiência, já era uma mulher, e nessa altura era bastante evidente para si que “as cidades  não são habitadas da mesma forma por uma mulher e por um homem, nem mesmo por uma criança e um adulto”. “Sempre vivi tranquila em Portugal, mas a verdade é que quando saía do trabalho às 4 da manhã sozinha não ia tão tranquila como quando ia com o meu colega”, recorda. Quando se tornou uma pessoa com deficiência, os desafios aumentaram.

“Se há alguma coisa que a minha cidade e que muitas outras cidades não são para mim, enquanto pessoa com deficiência, é neutras. Eu não consigo, de todo, deslocar-me na minha cidade de forma independente e sozinha para onde eu quero. É uma impossibilidade física que pode ser mudada, mas que neste momento não existe”, diz. Catarina, que é nutricionista, tornou-se uma das vozes com mais projeção na luta contra o preconceito dirigido a pessoas com deficiência. Através da sua conta no Instagram, Espécie Rara Sobre Rodas, vai identificando os lugares menos acessíveis e informando a comunidade que a segue sobre boas práticas de acessibilidade. 

Num mundo ideal, toda a cidade seria mais plana. Mas não é isso que Catarina pede. Pede pisos mais confortáveis, passadeiras com rampas, casas de banho acessíveis. Há momentos em que não consegue atravessar a rua onde quer e precisa de procurar a passadeira mais próxima que o permita. Para pôr as outras pessoas a pensar na importância de casas de banho adaptadas, propõe um exercício: imaginarem como seria irem passear e não terem como ir a uma casa de banho, nem mesmo num café. Mesmo que Catarina Oliveira peça cordialmente um café ou uma garrafa de água, não pode ir à maioria das casa de banho. Nesse mesmo passeio, muitas vezes não consegue sequer entrar em lojas. “Na rua de Cedofeita, no Porto, eu conto pelos dedos das mãos as lojas onde entro completamente sozinha, o resto tenho sempre que ser ajudada. E eu posso ser ajudada porque tenho uma cadeira de rodas manual, uma pessoa que tem uma cadeira de rodas motorizada não pode ser ajudada porque as cadeiras pesam 200kg”, conta. 

Além destes desafios de acessibilidade física, como lhes chama, acha importante referir que também ao nível da acessibilidade comunicacional com pessoas cegas ou s/ Surdas há muito por fazer. O mesmo com pessoas no espectro do autismo: “não existem propriamente locais onde estas pessoas se possam sentir calmas, como salas de silêncio ou repouso”. Na verdade, há lugares que têm sido pioneiros ao tornarem-se autism-friendly. É o caso de Clonakilty, uma vila irlandesa que ganhou este distintivo depois de 25% dos negócios locais, 50% dos serviços públicos, das comunidades escolares e dos profissionais de saúde terem desenvolvido um plano Autism Friendly que foi implementado por três anos. 

Neste plano estavam previstas mudanças a diferentes níveis e a implementação de algumas medidas com impacto no dia-a-dia. Entre elas a construção de um jardim sensorial, a suavização da luminosidade nos espaços públicos, a prática de ações de sensibilização nas escolas para que todos os cidadãos saibam como não excluir pessoas neurodivergentes e possam continuar a construir uma vila autism-friendly

“Na rua de Cedofeita, no Porto, eu conto pelos dedos das mãos as lojas onde entro completamente sozinha.”

Catarina Oliveira sempre gostou de viajar. Quando está a preparar uma viagem, precisa de ter em conta a acessibilidade do lugar em que vai ficar hospedada, bem como das suas imediações. E tal como existem cidades autism-friendly, existem também cidades com boas práticas no que diz respeito à acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida. Catarina teve boas experiências em Espanha — Pontevedra, Ayamonte, Barcelona, Blanes. “Houve zonas em que não conseguia atravessar ou tive de procurar uma casa de banho adaptada, mas de uma forma geral é uma diferença enorme. Nas ruas, na qualidade dos pisos, nas passadeiras, mesmo a encontrar casas de banho adaptadas. E até a ver pessoas com deficiência na rua, principalmente.”

Ver pessoas com deficiência na rua, explica, não é sinónimo de que existam mais numa determinada cidade ou num determinado país. A acessibilidade cria a oportunidade. Em contraste com Espanha, onde encontra sempre “alguém com deficiência na rua”, lembra-se de uma vez que um amigo que veio do Brasil passar uma temporada ao Porto e que se “assustou” porque “saía à rua e não via ninguém como ele”. “Para mim, isso já era normal, mas para ele, que vivia numa cidade onde via mais pessoas com deficiência, não era.” A nutricionista do Porto diz mesmo que ao contrário do que as pessoas pensam, “não é a cadeira de rodas que tira liberdade, é tudo à volta”: “As infra-estruturas à volta é que não me permitem ser independente e livre na minha cadeira de rodas.” E é por isso que cidades menos acessíveis são pouco convidativas para pessoas que se desloquem em cadeiras de rodas.

Índice

  • Carolina Franco

    Carolina Franco tem escrito sobre cultura, juventude e direitos humanos. Cada vez acredita mais que está tudo ligado. É jornalista colaboradora no projeto de literacia mediática PÚBLICO na Escola, e co-editora do Shifter. Estudou Ciências da Comunicação no Porto, de onde é natural, tem pós-graduação em Curadoria de Arte e está a completar mestrado em Antropologia - Culturas Visuais com uma tese sobre a importância da representatividade trans* no audiovisual.

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