No seu podcast, José Maria Pimentel quer tornar o mundo mais compreensível a 45 graus

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José Maria Pimentel na apresentação do seu livro e podcast em Coimbra, Abril de 2022 (fotografia DR)

No seu podcast, José Maria Pimentel quer tornar o mundo mais compreensível a 45 graus

O podcast 45 Graus de José Maria Pimentel é um espaço de profundidade e de conhecimento neste mundo digital tão ruidoso. Conta conta com mais de 130 episódios, algumas das quais editadas agora em livro.

Os temas são complexos mas os meios digitais que diariamente mais utilizamos para os discutir levam-nos cada vez mais por caminhos simplistas. As plataformas online não dão espaço para profundidade, as opiniões são reduzidas a pouco mais de uma centena de caracteres e, enquanto tentamos perceber o lado de outrem, temos a contagem de likes a pressionar a nossa posição ou uma notificação a desviar-nos o foco.

A tudo isso, subtrai-se ainda a concentração cada vez mais escassa nos tempos velozes que vivemos. Se o formato escrito tem vantagens óbvias no aprofundamento de assuntos, exige uma concentração que vai sendo rara. E é nesse espaço, em que se cruzam interesses vastos e complexos com as contingências do tempo que vivemos, que o podcast vai ganhando cada vez mais espaço. Podendo ser escutado enquanto desempenhamos outra tarefa (que nos impede de ceder à distracção), o formato podcast tem servido para promover conversas soltas sem uma direcção definida mas também interessantes debates e produtivos

A capa do livro de José Maria Pimentel, criado a partir do podcast (imagem DR)

Economista, de formação e de profissão, José Maria Pimentel começou, discretamente e de forma independente, um desses podcasts que procuram aportar valor ao espaço público português. Hoje já conta com mais de 130 episódios, com a presença de quase tantos convidados e com uma edição em livro, que complementa as conversas num formato mais imutável. Pelo 45 Graus já passaram nomes bem conhecidos como Carlos Moedas ou Adolfo Mesquita Nunes, assim como Rui Tavares ou Susana Peralta. Por lá, já se falou de política, educação, ciência, economia, filosofia; enfim, de temas estruturantes e de ideias promissoras a nossa sociedade. E são algumas das melhores conversas que agora surgem em livro, uma espécie de artefacto que preserva o que em formato podcast parece mais efémero — e que permite, por outro lado, sintetizar algumas das ideias que foram ficam dispersas entre episódios. 

José Maria Pimentel fez da sua vontade pessoal de aprender com figuras geralmente conceituadas um programa público. E fruto da sua já longa relação com podcasts ingleses e americanos, apostou neste formato que na altura do seu começo ainda conquistava os primeiros ouvintes em Portugal. Começou sem grandes expectativas de vir a encontrar uma audiência, mas os princípios que guiaram o arranque da experiência mantêm-se até hoje e são fáceis de entender: “saber mais” e “alimentar o pensamento crítico”, conta numa conversa com o Shifter. “Abordar criticamente os problemas, tentar tentar questionar pressupostos, tentar perceber visões diferentes”. De resto, o título esconde a metáfora que dá direcção do podcast. 

O ângulo de 45 graus representa a incidência oblíqua, um simbolismo para a forma como José, mais do que aprofundar demasiado um tema ou uma perspectiva, procura perceber o seu contexto, as ideias que lhe estão subjacentes e as fronteiras em que se funde com as demais. O intuito é falar do mundo contemporâneo como ele é, sem barreiras entre as áreas de debate e saber, procurando “eliminar a convenção que nós temos de que as áreas do saber ou conhecimento estão compartimentalizadas”. “Na verdade, o mundo não obedece a essa distinção. As coisas sobrepõem-se e está tudo relacionado”, diz-nos, sugerindo mesmo que é nessa sobreposição que se concretiza o principal objetivo do podcast, compreender melhor o que nos rodeia.  

“É muitas vezes obliquamente (a quarenta e cinco graus) que se alcança o objectivo principal deste podcast: compreender.”

– José Maria Pimentel

Se a internet acelerou as dinâmicas do espaço público, as contingências de cada cultura não foram apagadas com o seu surgimento. E no caso português, José Maria Pimentel foi, ao longo do tempo e com o feedback que ia recebendo em relação ao seu podcast, apercebendo-se da ausência de diálogo entre diversos pontos no mesmo espectro. É por isso que, confessa, muitas vezes assume o papel de “advogado do diabo (…) argumentando muitas vezes até contra as minhas próprias convicções para perceber de maneira mais crítica” – um exercício fundamental para que o podcast não caia “numa espécie de preguiça mental e complacência que às vezes existe na discussão no espaço público”.

José Maria Pimentel na apresentação do seu livro e podcast em Lisboa, Abril de 2022 (fotografia DR)

Os resultados desse exercício têm sido surpreendentes, traduzindo-se em mensagens e relatos de pessoas que lhe asseguram ter percebido melhor a perspectiva desta ou daquela pessoa, mesmo que discordem da opinião sobre este ou aquele assunto. Para o podcaster, esta ginástica procura a resposta a uma pergunta fundamental: “porque é que as pessoas que não são como eu pensam da maneira que pensam?”. Uma questão central a um espaço público democrático, mas tantas vezes submergida na espuma dos dias que é a actualidade política, mais dada ao espírito combativo e à demagogia, do que à discussão frontal e, até em certos pontos, pedagógica. 

Nesse particular, José vê o mundo digital de uma forma ambivalente. Ainda que, por um lado, se tenha tornado território de proliferação de desinformação e de dinâmicas de polarização da sociedade que podem hipoteticamente prejudicar o progresso político; por outro deu, vias alternativas de informação para quem quer saber mais, manter-se curioso e fomentar o pensamento crítico. Se “no curto prazo, o efeito que sobressai é maioritariamente negativo”, na perspetiva de José Maria Pimentel, no longo prazo a explosão das redes de comunicação pode ter um efeito bastante positivo. E nessa distinção o formato pode não ser um acaso. 

Para o podcaster, o formato áudio serve hoje em dia quase como um oposto das redes sociais onde, considera, “existe uma tendência para despessoalizar o outro” – isto é, uma tendência para que a complexidade da personalidade e da ideologia política de cada um se condense num formato muito mais bidimensional, mais radicalizado, e com pouca nuance, seja por design da plataforma, seja por interesse da pessoa em afirmar-se pelas suas convicções políticas e “o que gera muito antagonismo do outro lado”.

Já no formato podcast, pela presença da voz e muitas vezes pelo complemento do vídeo, “consegues entender as nuances e o tom com que a pessoa o quer dizer, o que gera uma empatia muito maior do que as redes sociais”. Uma empatia indispensável ao exercício, nem sempre fácil, de escutar o outro de quem à partida se discorda, especialmente numa sociedade que se descreve como cada vez mais polarizada. 

“Tive imensa gente, seja ouvintes, seja depois amigos em conversa, a dizer ‘gostei imenso de ouvir a conversa com a pessoa X. Não concordo nada, mas gostei de ouvir’. Ou até: ‘fiquei a perceber melhor o que é que a pessoa queria dizer’.” 

– José Maria Pimentel

Se o exercício de cruzar perspectivas é um mérito irrevogável do podcast 45 Graus, a sua existência – a par da existência de outros projectos independentes de comunicação social – aporta consigo um outro valor, o da renovação do espaço público português. Para José Maria Pimentel é até certo ponto compreensível que considerando-se que a sabedoria aumenta com a idade haja uma predominância de caras mais experientes nos painéis com habitual tempo de antena, ainda assim considera “gritante a falta de pessoas mais novas” no panorama mediático actual. E ainda que não veja a juventude como sinónimo de perspectivas representantes de uma nova forma de ver o mundo, ironiza em conversa dizendo que na ausência da juventude é que essas perspectivas não surgem de certeza

Para José, é na intersecção oblíqua que está o triunfo no espaço público, e de cada projeto que nele procura fazer a diferença. Mesmo sobre o futuro do seu, por agora, podcast, os planos ambiciosos que conjetura passam por alargar a equipa e por criar diversas perspectivas na construção dos conteúdos, aventurando-se eventualmente por outros formatos ainda por explorar. “Acredito muito na inteligência colectiva. Quando tens um projecto com mais gente, tens sempre perspectivas diferentes, aspectos que te tinham escapado, valências diferentes. E isso é muito importante.” Se há ou não público suficiente para tornar viável um projecto desse género, é uma das questões onde a vontade do jovem economista ainda resiste. 

De resto, o seu percurso no papel de promotor de debate público tem sido em si mesmo uma experiência que lhe permite perceber por dentro as dinâmicas do espaço mediático português,que, na opinião de José Maria Pimentel, se caracteriza por pouca apetência para a inovação e o risco, e por uma opção constante pela perpetuação dos formatos que funcionam. Uma escolha que de certa forma torna o debate mais restrito, menos permeável a novas vozes e nesse sentido até menos inclusivo e apelativo do que poderia ser – limitando o middleground dos espaço público, na medida em que a distância entre a elite literada, de onde saem os comentadores e especialistas, e audiência, parece por vezes intransponível. 

José Maria Pimentel na gravação do seu podcast em 2018 (fotografia DR)

Apesar do cepticismo confessado em relação ao estado actual do mundo digital, Pimentel não tem dúvidas da importância deste novo universo de comunicações – especialmente em sociedades como a portuguesa – para contrariar esta tendência. “O que tinhas antes era umas elites, que viviam num mundo intelectual – assim superior – e o resto da população, que não só não se interessava por esse mundo, como também essas elites não se interessavam por eles e eu acho que faz falta criar um ponto comum. E parte desse caminho faz-se desconstruindo este tipo de conceitos, mostrando às pessoas  porque é que existem estas convicções políticas. Porque se não fizeres isso, o que acontece é: ou calha teres nascido num meio social onde isso tenha sido incutido – e mesmo para essas pessoas é útil ler um livro como este, não necessariamente o meu – ou a política é para ti uma coisa estranha, o que gera dois efeitos: ou te afastas por completo ou quando te aproximas, vais tender a aproximar-te de posições mais populistas.”

“Quando tu não ligas e depois passas a ligar, tens uma espécie de atração natural por soluções simples e isso pode ser perigoso”, diz-nos. Numa sociedade que está, aparentemente cada vez mais polarizada, contrariar o simplismo e a superficialidade como que se abordam os assuntos parece ser uma missão cada vez mais importante. Se ajudar a compreender determinados assuntos é importante, diluir as barreiras com que estes se separam e procurar um ponto de convergência onde várias perspectivas se relacionem de forma pacífica é criar um espaço intermédio onde qualquer um pode participar e pôr à prova as suas convicções.

Mais do que converter os seus ouvintes e leitores em eleitores ou militantes de qualquer lado do espectro, José Maria Pimentel, quer com estes seus projectos ajudar à formação de um grupo cada vez maior de gente com vontade de pensar criticamente e com profundidade sobre o mundo em que vivemos, porque só a partir daí se podem enxergar soluções para além dos binómios que tantas vezes dominam importantes debates sobre o mundo em que vivemos. 

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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