A Missão de Mazzucato: transformar o capitalismo pós-pandémico

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Ilustração Original Shifter / Economia de Missão
Ilustração Original Shifter / Economia de Missão

A Missão de Mazzucato: transformar o capitalismo pós-pandémico

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A economista Mariana Mazzucato tornou-se uma das vozes mais influentes do debate económico da última década, desafiando a ortodoxia dominante nos ramos da inovação e criação de valor público.

Desde de 1969, o Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel – vulgarmente conhecido por Nobel de economia – foi atribuído a duas mulheres e oitenta e sete homens. Vinte e oito foram premiados após a queda do Lehman Brothers, e cinco durante a atual pandemia. No entanto, nenhum dos premiados pode gabar-se de ser a economista de eleição do Papa Francisco, esse título pertence a Mariana Mazzucato. Tal como Thomas Piketty ou Stephanie Kelton, a economista Ítalo-Americana tornou-se uma das vozes mais influentes do debate económico da última década, desafiando a ortodoxia dominante nos ramos da inovação e criação de valor público, que lhe valeram o Prémio Leontief em 2018.

Uma feroz crítica do modelo neoliberal vigente desde do final da década de 70 e frequentemente associada ao pensamento político da esquerda, Mazzucato tem colaborado com instituições governamentais de diversas geografias. Para além de ter dirigido a fundação do Instituto para a Inovação e Propósito Público da University College of London, a economista faz atualmente parte do Conselho Consultivo Económico do Presidente Sul Africano e dos governos da Argentina e Escócia. Nos últimos anos, as parcerias de Mazzucato têm atravessado vários espectros ideológicos: aconselhou a equipa de Jeremy Corbyn até ao referendo do Brexit; e posteriormente foi conselheira especial de Carlos Moedas, atual presidente da Câmara de Lisboa e antigo Comissário Europeu para a Investigação, Inovação e Ciência da comissão Juncker.

Em Janeiro de 2021, num momento em que vários governos dos países desenvolvidos passavam por um novo período de confinamento – uma medida economicamente impensável anos antes – Mazzucato lançou o ‘Economia de Missão: Uma guia ousado e inovador para mudar o capitalismo’ (Temas e Debates, setembro de 2021). Um livro de leitura obrigatória, que pretende ser um guia para uma recuperação pós-pandémica capaz de responder aos maiores problemas que a humanidade enfrenta. 


Uma trilogia informal

O ‘Economia de Missãoé um trabalho de aprofundamento e continuação dos seus livros anteriores, O Estado Empreendedor e O Valor de Tudo’, que se propuseram a desconstruir alguns dos principais pilares da ortodoxia económica. Neste trabalho, a autora começa por fazer um diagnóstico do sistema capitalista das últimas quatro décadas (período neoliberal). 

Para si, a ortodoxia neoliberal – cuja espinha dorsal é o funcionamento eficiente dos mercados – não é capaz de distinguir o rentismo da criação de riqueza na economia (O Valor de Tudo). Assim, assumindo que o preço de uma transação económica reflete o seu valor, este sistema político-economico torna-se inapto (por definição) a reconhecer a extração de valor (rentismo) em si mesmo, e não oferece políticas de Estado para combater estas tendências. 

Consequentemente, a autora alega que várias entidades privadas têm vindo a extrair valor da sociedade através de contratos de prestação de serviços básicos inflacionados, quer seja com a terceirização ou privatização de funções essenciais do Estado. Entre outros exemplos, a economista cita serviços milionários de consultoria e prestação de serviços sem resultados visíveis, como se viu na gestão pandémica no Reino Unido; um fenómeno que se assemelha aos problemas observados nos CTT após a sua privatização. Este tipo de contratos são frequentemente obtidos através do lobby ou financiamento partidário, aquilo que a economista classifica de “(…) quando os perdedores escolhem o governo” .

Segundo a Mazzucato, a combinação destes problemas com um sistema financeiro que empresta uma pequena fracção dos recursos disponíveis a setores produtivos, fazem com que as economias desenvolvidas estejam presas num ciclo de um fraco crescimento económico, aliado a uma estagnação da produtividade (não é um problema específico de Portugal) e dos salários para a maioria dos trabalhadores, com a excepção dos mais ricos. Por último, a economista conclui que este sistema económico – altamente dependente de extração de valor e lucros a curto-prazo – será incapaz de dar resposta à crise climática em tempo útil. 

Como a maioria dos pensadores Keynesianos, Mariana Mazzucato volta aos anos de ouro do capitalismo (1950-73) para encontrar soluções para os problemas de hoje. Com o seu primeiro livro, O Estado Empreendedor, a economista demonstrou que o estado tem a capacidade de gerar e promover inovação. Explicando que sem intervenção direta do estado norte-americano, maioritariamente através de agências como a DARPA (associada ao Departamento de Defesa) e a NASA, invenções como a internet e outras tecnologias que fazem dos nossos telefones “inteligentes” (microprocessadores, GPS, ecrã tátil, etc) não teriam sido possíveis. E que, para além disso, o apoio direto estatal contribuiu para a sobrevivência de empresas que operam em sectores de alta inovação, como a Tesla


Já em ‘Economia de Missão’ a autora dá um passo em frente e advoga que os estados são co-criadores de mercados e por isso tem a capacidade de moldá-los. Como exemplo, a economista utiliza o sistema bancário moderno, resultado direto do seguro de depósitos e outras regulações definidas por governos. Por conseguinte, Mazzucato defende que os casos de inovação estatal não são meros acasos históricos; para si os governos detêm a capacidade de guiar o processo de inovação e de criação de valor para atingir missões autopropostas. Ao longo do livro, o programa espacial norte-americano Apollo (1961-72) é-nos apresentado como o expoente máximo da capacidade do estado promover inovação, criando uma ‘economia de missão’.

Como levar uma economia à Lua

De forma sucinta, o conceito de ‘economia de missão’ caracteriza-se pelo processo entre o famoso discurso de Kennedy (‘Nós escolhemos ir para a Lua’) em 1962 e o momento em que Armstrong e Aldrin pisaram a lua, sete anos mais tarde. Extremamente pressionado pelos avanços espaciais soviéticos — Gagarin tinha-se tornado o primeiro humano a viajar no espaço meses antes — o discurso de Kennedy estipulava uma missão para a sociedade norte-americana, para a qual esta não detinha o conhecimento necessário. Com o governo em primeiro plano – através da cooperação entre a NASA, outros departamentos estatais e empresas privadas – a economia norte-americana mobilizou-se de forma a criar os avanços tecnológicos necessários para colocar um humano na Lua. No livro, é-nos apresentado um sector público forte, criativo e ambicioso, a antítese do estereótipo do estado lento, burocrático e potencialmente corrupto.

“Nós escolhemos ir para a Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque elas são fáceis, mas porque elas são difíceis” Discurso de Kennedy em Setembro 1962 no Estádio Rice (Houston, Texas)

Mas porque é que Mazzucato escolhe uma missão com pouco suporte popular e fortemente atacada por uma figura histórica como Martin Luther King? A resposta não está no objetivo final, pisar a Lua, mas em todo o processo de execução. O livro mostra que diversas inovações tecnológicas de que usufruímos nos dias de hoje são resultado de sinergias do programa Apollo. Desde os têxteis utilizados em fatos de bombeiros, a painéis de energia solar, passando por leite em pó. Do ponto de vista institucional, o programa espacial norte-americano mostra que uma missão com objetivos claros e ambiciosos consegue disciplinar o sector privado. Ao remunerar por resultados concretos, e não pelo número de horas reportadas (um procedimento contratual bem comum nos dias de hoje), o governo norte-americano conseguiu, em simultâneo, promover inovação tecnológica via sector privado e evitar cair em mecanismos de extração de valor. 

O “Economia de Missão” desafia o leitor a repensar os problemas de hoje com a mesma ambição que o Programa Apollo teve há seis décadas. 

As missões para o século 21 

Olhando para o futuro, a autora defende que os governos têm de abandonar a crença que a crise climática pode ser resolvida unicamente através de alguns incentivos económicos como impostos sobre o carbono e subsídios às atividades de pesquisa e desenvolvimento. No espírito do Programa Apollo, os estados devem ser proativos e criar a sua ‘missão verde’ (Green New Deal) que mobilize todos os poderes a seu dispor – como regulação financeira contra investimentos fósseis, bancos públicos para financiar projetos verdes, investimento público e novas regras de comércio internacional – para garantir que é gerada a inovação necessária para atingir neutralidade carbónica o quanto antes.   

Essencialmente focado na criação de valor e inovação, o pensamento de Mazzucato está longe de ser um dilema simplista entre criação de riqueza e distribuição (o popular “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”); ou uma apologia à criação de Startups sem qualquer objetivo social concreto. A economista acredita que os governos, quando promovem inovação e criação de valor, devem criar mecanismos de distribuição prévia. Em vez de apenas taxarem e distribuírem os lucros de empresas, os governos devem usar o seu poder para garantir que toda a sociedade tenha acesso às novas inovações a preços justos. Os recentes programas de apoio à descoberta de uma vacina contra COVID-19 são exemplos de pré-distribuição de relativo sucesso. Em vez de aguardarem a invenção das vacinas e ficarem reféns do poder monopolista do setor farmacêutico, diversos governos do norte global financiaram atividades de pesquisa em troca de acesso a vacinas a preços baixos, previamente estipulados.

No contexto nacional, a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga pode ser vista como um caso que partilha várias das características da ‘economia de missão‘ descritos pela economista. Mesmo sem ter resultado em inovações tecnológicas, esta estratégia promoveu um setor público experimental, criativo e cooperativo. No começo do século, estima-se que houvesse 50,000-100,000 usuários de heroína (cerca de 0.5-1.0% da população) em Portugal. O país apresentava a maior taxa de VIH entre indivíduos que injetam drogas na União Europeia. Com o objectivo de resolver este flagelo social, e sem um modelo pronto a importar do estrangeiro, o governo português criou um grupo multidisciplinar que teve a autonomia de criar uma estratégia totalmente inovadora. Apesar de desenhada por um grupo relativamente restrito, a implementação desta ‘missão’ requer a cooperação entre várias áreas da https://shifter.pt/wp-content/uploads/2023/04/333930326_6734667403227056_1447582654111296349_n-1.jpgistração pública como o SNS (tratamento de substituição e troca de seringas); Ministério da Justiça e polícia (descriminalização do consumo); e o IEFP (Programa Vida-Emprego de reinserção socioprofissional). Do ponto vista internacional, a descriminalização do consumo é frequentemente vista, de forma equivocada, como uma bala de prata e não como uma peça de uma missão complexa. Atualmente, os Estados Unidos da América (EUA) vivem uma crise semelhante com a epidemia de opióides. Combatê-la de forma eficaz exigirá o mesmo tipo de ambição e cooperação intergovernamental da estratégia portuguesa; o que no caso norte-americano (devido ao seu poder ) pode promover inovações no sector biomédico. 

Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga cumpriu a missão de reduzir drasticamente a transmissão de HIV, enquanto criou programas integração social | Fonte


O Império Empreendedor?

É difícil alegar que este programa, que contribuiu para várias inovações tecnológicas, foi um desperdício de recursos quando custou substancialmente menos que o resgate financeiro de 2008 ou as guerras do Vietname, Iraque e Afeganistão. 

O contexto histórico da esmagadora maioria dos sucessos enunciados por Mazzucato é uma das maiores fragilidades da sua argumentação; e o ‘Economia de Missão’ não é uma exceção. Primeiro, a autora foca-se quase exclusivamente nos Estados Unidos, a maior potência económica e militar do planeta. A que se junta o facto de, quase todos os casos apresentados estarem ligados a disputas geopolíticas e militares. Estas são áreas de elevado secretismo, envolvem processos pouco democráticos e historicamente têm pouquíssimas limitações orçamentais.

A economista reconhece que as experiências citadas são excessivamente centralizadas e que um dos nossos desafios como sociedade será democratizar as ‘missões’ do Século 21. Contudo, o livro não oferece alternativas reais para este problema. Dar mais poderes a trabalhadores e sindicatos para controlarem os seus fundos de pensões e outros investimentos (frequentemente geridos por gigantes do sector financeiro), poderá ser uma forma de democratização económica e evitar a extração de valor por parte do setor financeiro, objetivos abertamente ambicionados por Mazzucato. 

Relativamente à viabilidade financeira da “economia de missão”, a economista defende, de forma bastante convincente, que este não é um problema maior.  Mariana Mazzucato demonstra que os custos das missões Apollo foram relativamente baixos quando comparados com vários projetos políticos das últimas décadas. É difícil alegar que este programa, que contribuiu para várias inovações tecnológicas, foi um desperdício de recursos quando custou substancialmente menos que o resgate financeiro de 2008 ou as guerras do Vietname, Iraque e Afeganistão. 

O uso de recursos para projetos ambiciosos está longe de ser uma impossibilidade nos EUA

O controlo orçamental do programa Apollo foi em parte resultado de políticas de Estado eficazes. Durante o programa espacial, os governos norte-americanos usaram o enorme poder negocial, para montar uma estratégia que cumprisse os seus objetivos políticos ao menor custo possível (mecanismos de distribuição prévia). Mesmo num contexto de corrida espacial, em que os Estados Unidos pretendiam derrotar a União Soviética a qualquer custo, os contratos da NASA com empresas privadas incluíam cláusulas de ‘lucros não excessivos’. Uma estratégia financeira diametralmente oposta das guerras do Iraque e Afeganistão, em que o próprio Pentágono reconhece a existência de desperdício, corrupção e gastos fantasmas. No entanto, a contratação de consultores estratégicos para terceirizar serviços já dava sinais de vida no próprio programa Apollo. A autora tem uma postura ambígua sobre se os estados detêm, nos dias de hoje, a capacidade institucional para replicar novas missões. Caso não tenham, Mazzucato não traça um caminho de políticas a seguir.

A obra acaba por não ser totalmente convincente acerca da replicabilidade da sua tese central fora dos Estados Unidos. Ao contrário dos seus livros anteriores, Mariana Mazzucato enumera alguns casos fora dos EUA, onde o Estado tem tido um papel de cocriador de mercados e valor, seja a Coreia do Sul da década de 90 (desenvolvimento de produtos digitais) ou o Vietname dos dias de hoje (gestão da pandemia). Ao não aprofundar estas políticas e omitir exemplos históricos, o “Economia de Missão” acaba por amplificar, de forma artificial, críticas sobre o excepcionalismo norte-americano no período pós-guerra.

As missões esquecidas: do Shinkansen à Soberana 2

Enquanto Estados Unidos e União Soviética iniciaram a Corrida Espacial, o Japão tentava correr contra a dependência fóssil. Depois dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, a economia nipônica encontrava-se totalmente devastada, com níveis de rendimento per capita comparáveis a Portugal e Espanha. No entanto, os governos Japoneses não esperaram que o mercado criasse soluções para todos os seus problemas estruturais. 

Com uma missão clara, diminuir a congestão da linha de comboio Tokyo-Osaka e a dependência petrolífera, o estado Japonês foi capaz de promover a inovação necessária para inaugurar o Shinkansen (comboio-bala) em menos de uma década (1959-1964), a tempo para os Jogos Olímpicos de Tokyo. Este feito foi conseguido pela empresa pública Japonesa (Japan Railways, posteriormente privatizada em 1987), após uma visita de seis meses ao departamento de estudos de tração elétrica da SNCF (outra empresa pública, neste caso francesa), e com apoio financeiro do Banco Mundial

Atualmente, esta tecnologia existe em dezenas de países. Em menos de duas décadas, Espanha tornou-se numa potência ferroviária, com uma estratégia definida e implementada pelo governo e empresas públicas. Em 2005, o governo espanhol anunciou um plano ambicioso para ter 90 por cento da população a menos de 50 quilômetros de uma estação de alta velocidade em 2020. Mesmo sem cumprir o objetivo na totalidade, e com uma dura crise económica pelo meio, Espanha foi capaz de construir a segunda maior rede de alta velocidade do mundo, apenas atrás da China, a um custo relativamente baixo. Esta ‘missão’ teve impactos para além fronteiras: a operadora estatal espanhola (RENFE) explora linhas de alta velocidade na Chéquia e Arabia Saudita e tem ambições de expandir o seu império ferroviário para o México e Estados Unidos; ao mesmo tempo, a Talgo (empresa privada) se consolida como um dos mais importantes fabricantes de comboios de alta-velocidade do mundo, exportando para o Uzbequistão, EUA, Egipto e Rússia.

O êxito do comboio de alta velocidade, particularmente a criação do Shinkansen, é um caso paradigmático de inovação estatal e cooperação internacional. Ignorá-lo num contexto de emergência climática, quando a alta velocidade faz parte do plano de recuperação e descarbonização de Biden, é a maior omissão da ‘Economia de Missão’.

É compreensível que um livro que pretende ser um guia ‘mudar o capitalismo’ não perca uma linha a explorar o programa Sputnik, rival do Apollo na corrida espacial. Ainda assim, a ausência de outras inovações guiadas por governos de matriz socialista (excepto a uma pequena referência ao Vietname) é notória.  

Do ponto de vista da transição energética, a autora cita a capacidade dos estados da Dinamarca e Alemanha de co-criarem mercados de energias renováveis enquanto ignora por completo o papel da política económica chinesa em baixar os custos da energia solar. Além disso, a economista, que é uma feroz crítica da extração de rendas e subsídios por parte de empresas farmacêuticas, não apresenta o cluster estatal cubano como contra-exemplo de modelo de inovação médica. Após a queda da União Soviética, o governo cubano decidiu desenvolver activamente um sector biomédico. Numa economia com dificuldades em importar material médico, este sector que é composto por 30 empresas públicas (com parcerias com empresas em Espanha ou Singapura) é responsável por mais de mil patentes internacionais, várias candidatas a vacinas contra covid-19 e a criação da primeira vacina contra meningite B. Em 2009, um editorial da Nature afirmava que Cuba tinha conseguido criar “uma das indústrias de biotecnologia mais desenvolvidas do mundo” sem utilizar capital de risco, algo considerado um requisito por parte dos países desenvolvidos. 


A viabilidade política, para lá do debate intelectual

“Homens práticos que acreditam ser bastante isentos de quaisquer influências intelectuais, geralmente são escravos de algum economista defunto” John Maynard Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936) 

Não é surpreendente que Mariana Mazzucato inclua a famosa citação do pai da macroeconomia moderna no seu mais recente trabalho. A economista, tal como Keynes, acredita no poder das ideias para influenciar o rumo da política global. A sua produção académica está fortemente ligada a sua atividade cívica, tentando influenciar políticos de diversos quadrantes. 

À primeira vista, o triunfo de Mazzucato na batalha de ideias parece evidente. Na segunda metade de 2020, Boris Johnson anunciou que iria alocar 100 mil milhões de Libras para uma ‘missão de testagem’ que permitisse evitar um novo confinamento; e no final de 2021, o Primeiro Ministro Britânico declarou uma missão nacional de vacinação’ para combater a variante Omicron. O grande problema, é que os “homens práticos” que Keynes se referia passam facilmente de “escravos” para “apropriadores” de ideias. A própria Mazzucato rapidamente identificou este problema e alertou para a apropriação do termo ‘missão’ por Boris Johnson. O Primeiro Ministro Britânico, um oportunista político que escreveu dois artigos com opiniões opostas acerca do referendo do Brexit), tem ignorado vários aspectos fundamentais do pensamento de Mazzucato como cláusulas que limitem o lucro excessivo ou a redução da terceirização de serviços. Décadas antes, Keynes tinha sofrido da mesma sorte quando o Nixon declarou ‘[que] agora somos todos Keynesianos’, enquanto iniciava o desmantelamento da Era New Deal norte-americana.

O grande desafio das próximas décadas não será colocar a ‘economia de missão’ nos corredores do poder, onde o seu espírito possa ser facilmente adulterado, retirando os seus elementos mais radicais, como aconteceu com o pensamento de Keynes. Empoderar trabalhadores e a sociedade civil, para que estes tenham um peso político significativo, será essencial para criar uma economia que corresponda às ambições de Mazzucato. Nesse aspecto, o livro deixa-nos com mais dúvidas que certezas.

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