Se navegarmos no site de uma das principais candidaturas autárquicas em Lisboa, vamos reparar que apenas uma parcela pequena das freguesias tem os programas eleitorais disponíveis. No espaço digital de outra candidatura, também de Lisboa, não há sequer informação sobre os seus candidatos às 24 freguesias, nem tão pouco é possível saber quem é o cabeça de lista à Assembleia Municipal. Por fim, uma outra candidatura à Câmara da capital não tem sequer um site online – resta aos eleitores uma página de Instagram com conteúdo pouco aprofundado.
O meio digital, tal como é hoje em dia um meio importante para a comunicação em sociedade, nas mais diversas esferas, deveria ser um espaço primordial nas campanhas eleitorais. Não obstante das arruadas, dos panfletos que são distribuídos nas ruas e dos papéis que vão chegando às caixas de correio dos eleitores, fundamentais para populações sem acesso ou digital ou com uma baixa literária que dificulta a navegação, as candidaturas deveriam, por sua iniciativa ou por lei, disponibilizar toda a informação online. Neste sentido, deveria ser possível, no site de cada candidatura consultar o programa eleitoral até determinado número de dias antes da ida às urnas, bem como as listas completas de pessoas que se candidatam a cada órgão autárquico. Afinal de contas, de que serve a digitalização se não cumpre o básico de tornar a informação mais acessível, a qualquer um, em qualquer parte, a qualquer hora?
Afinal de contas, de que serve a digitalização se não cumpre o básico de tornar a informação mais acessível, a qualquer um, em qualquer parte, a qualquer hora?
De acordo com a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), datada de 2001 e actualizada este ano, uma vez admitidas, as listas das candidaturas devem ser afixadas ”à porta dos edifícios do tribunal, da câmara municipal e das juntas de freguesia do município, no caso de eleição da assembleia e da câmara municipal, e no edifício da junta de freguesia e noutros lugares de estilo na freguesia, no caso de eleição da assembleia de freguesia”. Mais tarde, “no dia da eleição, as listas sujeitas a sufrágio são novamente publicadas por editais afixados à entrada das assembleias de voto juntamente com os boletins de voto”. Quanto à presença de informação online, ainda que a lei tenha sido recentemente actualizada não surgem nem menções.
A presente lei eleitoral não obriga à publicação online das listas, e é completamente omissa também em relação aos programas eleitorais – não impõe uma data limite para a sua apresentação (tal como faz com as listas, que têm de ser entregues até 55 dias antes do acto eleitoral), nem define regras para a sua publicação.
Continuando no exemplo de Lisboa, é de salientar que até é possível encontrar as listas no site da Câmara Municipal, contudo este caminho está longe de ser acessível ou intuitivo para a maioria dos eleitores. E nos sites das diferentes candidaturas a Lisboa, como referido, poucas são as disponibilizam as listas na íntegra, várias divulgam apenas os nomes que encabeçam cada uma das listas e em alguns casos esta informação não está sequer acessível. O resultado é um potencial desconhecimento dos candidatos, e a demissão da utilização de uma das ferramentas de mais baixo custo na resolução desta lacuna.
Se a pandemia nos mostrou a importância do digital e se o próprio Estado tem vindo a digitalizar cada vez mais serviços, continua a ser difícil envolvermo-nos nos processos eleitorais a partir de casa ou dos nossos dispositivos tecnológicos.
As eleições autárquicas realizam-se este domingo. Por todo o país, teremos a oportunidade de decidir o futuro que desejamos para as nossas cidades, vilas, aldeias, bairros, freguesias. Em teoria, poderemos escolher entre diferentes propostas que previamente pudemos ler em detalhe, comparar entre si e sobre as quais pudemos reflectir. Em teoria. Se a pandemia nos mostrou a importância do digital e se o próprio Estado tem vindo a digitalizar cada vez mais serviços, continua a ser difícil envolvermo-nos nos processos eleitorais a partir de casa ou dos nossos dispositivos tecnológicos.
Como a votação electrónica ainda levanta demasiadas questões sobre a fiabilidade e segurança, estando longe de ser implementada (ou implementáveis) – mas vai aparecendo frequentemente em notícias virais e capas de jornais –, é hora de começarmos a exigir realismo e um uso crítico da tecnologia. Se o voto online não é para já seguro, a disponibilização de informação online é segura, de baixo custo e elevado alcance.
A campanha eleitoral destas autárquicas revelou, mais uma vez, a dificuldade em aceder a informação sobre as candidaturas. De todas as eleições, as autárquicas são as que estão mais repartidas. Existem milhares de candidaturas diferentes pelo país fora, sendo complicado, não só ter uma visão completa de todos os partidos, coligações e grupos de cidadãos que se candidatam na nossa zona, como de apurar as suas propostas e ideias. Às caixas de correio vão-nos chegando folhetos apenas de algumas candidaturas e, nas televisões e imprensa generalista, a campanha que vamos vendo parece ser mais sobre os partidos do que sobre as autarquias. Mas se é na internet que hoje em dia grande parte da população procura e consome informação, o que estamos à espera para começar a disponibilizá-la quando mais falta faz? Seja por uma população mais informada, para permitir que quem vote em mobilidade tenha acesso à mesma informação ou simplesmente por preceito de documentação do trabalho que é feito é hora de pensar o papel do digital com realismo.
Porque é que a Comissão Nacional de Eleitores (CNE) ou o Ministério da Administração Interna (MAI) não trabalham numa plataforma que apresente toda a informação relevante sobre as eleições, o seu funcionamento e as diferentes candidaturas, com ligações úteis também para as presenças digitais de cada candidato? Quando é que vamos digitalizar as eleições e usar a nosso favor o que a tecnologia já oferece?