Já é um clássico nas listas de resoluções para o novo ano: ler mais (!), ou pelo menos ler o mesmo que lemos no ano que passou, nunca menos. Podes dar por ti a pensar em números redondos, tipo menos de 50 livros serem derrota, mas logo a seguir, ao fazer contas de cabeça, percebes que isso daria qualquer coisa como 4,17 livros por mês, e a isso ainda tens de juntar o exercício físico que prometeste fazer em dobro e os filmes que deixaste por ver do ano passado. Não deixa de ser estranho que acabemos a colocar tanta pressão no hobby que é, provavelmente, o mais relaxante que temos, mas também não deixa de ser importante estabelecer objectivos para nosso benefício que podem ver-se evaporados perante a azáfama do dia-a-dia e a ansiedade do contexto particular que vivemos.
É certo que podes planear as tuas leituras num papel. Podes depois partilhá-lo com os teus amigos leitores se achares necessário, mas também podes optar por mantê-lo para ti mesmo, como um diário pessoal do que leste e ainda queres ler, e os motivos que acompanham cada escolha. Às vezes (muitas vezes) não há nada melhor do que uma caneta e um caderno para fazermos um compromisso connosco mesmos. E se por acaso tens receio de perder as tuas resoluções na confusão de uma gaveta, podes sempre usar um serviço qualquer em cloud para lá guardares os teus pensamentos mais pessoais. Mas, se por outro lado, precisas de um incentivo para levares as tuas promessas avante, se até te dava jeito teres um link directo dos livros que escolheste ler este ano para a loja onde os vais comprar (ou para as suas versões em domínio público), se até tens curiosidade em saber o que os teus amigos andam a ler e se até te dava jeito ter a inteligência artificial das novas tecnologias a recomendar-te livros que são a tua cara, apresentamos-te cinco plataformas para te acompanharem nesta senda literária.
Cada uma com os seus prós e contras, há opções para todos os gostos, com comunidades maiores ou mais pequenas, mais sociais ou mais privadas, open source ou inseridas no mercado de grandes tecnológicas. Uma das tendências que se tem verificado com maior evidência é a expansão da Amazon no universo dos livros, com as aquisições da conhecida livraria online Book Depository, do agregador Goodreads, e da plataforma de livros em segunda mão Abebooks, depois de já ser uma das principais vendedoras.
Como em quase todas as redes sociais, prepara-te para te sentires pressionado com o que os outros andam (ou não) a ler, com notificações que te lembram da tua preguiça e com sugestões de livros para adicionares ao teu tsundoku. É fácil dispersar com tantas apps, mails e notificações vindos de tantos sites diferentes, e ainda que o hábito da leitura tenha grande parte da sua magia no analógico, podíamos acrescentar às resoluções de 2021 o uso da tecnologia a nosso favor, com pressão q.b. e foco no ganho real que existe em descobrir uma nova história, um novo autor, um novo livro.
Goodreads
É provavelmente o nome mais conhecido desta lista. Goodreads é uma espécie de catálogo social da família Amazon. Além de te permitir criar as tuas listas de objectivos e de, por pertencer à gigante tecnológica, ser o maior catálogo de livros online do mundo, permite-te acompanhar também o que os teus amigos andam a ler ou consultar listas por temas, mais uma série de features que facilitam a escolha da tua próxima aventura literária. Quando te registas crias a tua “estante” ao adicionares os livros que já leste ou planeias ler para receberes sugestões com base no conteúdo que lá arrumaste. Como uma rede social da leitura, podes partilhar com os teus seguidores o teu progresso na leitura, procurar recomendações junto da tua comunidade, e comentar e partilhar experiências com as pessoas que fazem parte da rua rede, com likes, shares e tudo aquilo a que um site deste género tem direito.
O site orgulha-se de ter mais de 30 milhões de membros, mais de 900 milhões de livros no seu banco de dados e mais de 34 milhões de críticas a livros. Assim sendo, como acontece com quase todos os sites enormes, é possível que acabes a sentir-te algo perdido na multidão, ou desanimado e intimidado com a constante lembrança indirecta mas impositiva para acabares o livro que tens em mãos, a rapidez de leitura dos teus amigos, ou o próprio ritmo de crescimento necessário para se manter alguma satisfação enquanto utilizador da plataforma. Ainda assim, não podemos ignorar a dimensão da estrutura nem o que isso representa para as funcionalidades que oferece. É difícil encontrar um livro que não exista na Goodreads, e no que diz respeito ao tema específico deste artigo, por exemplo, não há início de ano novo em que o site não nos convide para o seu Reading Challenge. Para o de 2021, já há 1,880,896 participantes e a média de livros que os inscritos esperam ler ao longo do ano é 43.
Depois da Amazon se especializar na venda de livros, tornou-se também no principal detentor das plataformas de avaliação de livros, recolhendo nelas informações sobre popularidade dos títulos e hábitos de leitura que, mais tarde, são postos ao serviço dos sistemas de publicidade. O monopólio de uma das grandes tecnológicas sobre o universo de avaliação de livros tem valido algumas críticas à empresa, com internautas a enunciar a sua preocupação sobre a existência de um índice de livros centralizado e controlado pela empresa de Jeff Bezos.
LibraryThing (Disponível em Português)
Semelhante à Goodreads, a LibraryThing também é uma plataforma de catalogação social de livros, aos quais se juntam filmes, discos e as multimédias que quiseres inventariar. É “social” porque também se propõe a ligar-te às pessoas com gostos idênticos ao teus e com quem podes vir a criar o teu pequeno Clube do Livro – na LibraryThing és muito encorajado a participar nos fóruns. A sua biblioteca reúne dados das seis lojas Amazon, da biblioteca do Congresso norte-americano e de mais de 690 bibliotecas mundiais. Tem mais de 2,550,000 bibliófilos registados.
A LibraryThing é detida em 40% pela AbeBooks, subsidiária da Amazon, mas faz questão de dizer na sua política de privacidade que não vende dados dos seus utilizadores, apresentando-se por isso como a grande alternativa à Goodreads. Outro dos pontos altos destacado é a tradução da plataforma em diversas línguas, incluindo o português.
The Storygraph
O objetivo do The Storygraph é rastrear as tuas leituras para receberes recomendações de livros. A plataforma representa uma reviravolta divertida no aspecto social media destes catálogos porque te permite seguir outras pessoas e ser seguido, mas não há estatísticas de amigos/seguidores envolvidos e ninguém sabe que está a ser seguido, nem tu, nem eles. Isto tira a pressão se não estiveres interessado em lidar com o sucesso de um utilizador em específico, e torna mais livre o exercício de encontrar leitores com gostos e opiniões relevantes para ti. O The Storygraph destaca isso mesmo, que não é uma rede social.
O seu foco absoluto no hábito da leitura faz com que a plataforma, que também existe em app, tenha desenvolvido mais algumas das funcionalidades que encontras nos sites que te apresentámos antes. Destaque para o sistema de revisão de livros, onde podes classificá-los de 0 a 5 estrelas, seja com 0,5 ou 3,75. Há ainda uma série de adjetivos que podes escolher para descrever a obra em questão (sombria, informativa, misteriosa, triste, etc.), e podes também responder a uma série de perguntas sobre o ritmo e desenvolvimento da acção e das personagens. É através destas participações que a plataforma acaba por filtrar os livros que mais te podem interessar. Além disso, logo quando te inscreves deves preencher um formulário para receberes recomendações personalizadas – ao contrário de outras plataformas idênticas que apenas te fazem recomendações com base no que já leste e nas pontuações que vais dando.
Também no The Storygraph há desafios de leitura e podes, além disso, importar a tua biblioteca da Goodreads. Nos pontos menos positivos, o projecto é norte-americano pelo que apenas inclui livros de língua inglesa.
Riffle
Lançado em 2013, a Riffle acredita que “as melhores recomendações de livros vêm de pessoas, não de algoritmos de computador”. O seu foco na comunidade aproxima-o da Goodreads e da experiência de entrar numa livraria independente onde conversamos com quem nos atende para saber ao certo o que comprar (há até um recurso para fazer literalmente isso, conectar-te à livraria indie mais próxima de ti para os melhores conselhos – não temos a certeza do sucesso desta funcionalidade em Portugal.) É um catálogo de leituras com um toque mais pessoal, com gestores de comunidade, https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistradores e editores por género literário, sempre prontos a responder às tuas perguntas e a orientar a tua experiência.
Open Library
Criada em 2007 por Aaron Swartz, a Open Library é um projecto diferente. É uma biblioteca digital colaborativa e aberta, sob alçada da organização sem fins lucrativos Internet Archive e vive dos contributos voluntários da comunidade. Funciona mais como um índice do que como uma plataforma social. Quando a criou, o objectivo de Swartz era criar um indíce na web com o máximo de livros possível. Com um design acessível e intuitivo, é possível pesquisar livros por tema e o seu grande valor está no facto de ser uma biblioteca auto-suficiente. Enquanto que nas outras plataformas és reencaminhado para lojas online (na sua maioria para a Amazon) para adquirires o livro que estás a juntar à tua lista de leitura, a Open Library reúne uma série de livros que poderás ler online ou, em alguns casos, descarregar. Outros podem ser-te “emprestados” por duas semanas. Também há livros que podes patrocinar, isto é, fazer uma doação para que a Open Library o possa disponibilizar gratuitamente. Ou seja, mais do que fazer listas de desejos e objectivos, como em plataformas como a Goodreads ou a The Storygraph, a Open Library pode ser a plataforma que usas para ler o que anotas nas outras.
A Open Library foi, em Junho de 2020, processada por 4 grandes publishers — Hachette, Penguin Random House, Wiley, e HarperCollins — acusada de emprestar livros que não são seus e sobre os quais não detém direitos de distribuição.
Biblioteca digital descentralizada
A ideia de juntar as dinâmicas das redes sociais ao mundo dos livros é um longo campo de experimentação online. Contudo, a maioria das ideias acabam por não chegar à tona de um mar dominado pelos gigantes como o Goodreads que, com a sua associação à Amazon, dispõe de uma maior capacidade de investimento nomeadamente em Marketing. Ainda assim há quem continue o trabalho de desenvolvimento de soluções paralelas, algumas delas verdadeiramente inovadoras. É o caso de Tom Critchlow que há mais de uma década desenvolve por iniciativa própria uma proposta descentralizada para uma ‘internet dos livros’. Tom inspirou-se na ideia do RSS e na forma como esta tecnologia permite o envio automatizado de actualizações para criar uma rede de bibliotecas-digitais, hospedadas, geridas e mantidas pelos próprios leitores, a partir de um código-fonte base disponibilizado em Open Source. A ideia de Tom é devolver aos leitores o controlo sobre a sua estante digital.
Tom não é o único com esta ideia e no seu site mostra dezenas de exemplos de bibliotecas auto-geridas de outros internautas. Para além disso, a ideia passa por disponibilizar o código de indexação dos livros de forma aberta para que outros possam colaborar na construção de funcionalidades que tornem a sua utilização mais simples e intuitiva. O push de Tom no sentido de uma web de livros descentralizada é explicada aqui e tem uma importante motivação ainda não referida: a principal forma de monetização de sites sobre livros é com links de afiliados para a própria Amazon, um ciclo vicioso que só reforça a dominância da empresa sobre o sector.
Last September, @tomcritchlow proposed a federated, decentralized "web of books" as an alternative to Goodreads, the monopoly platform of booklists owned by the monopoly platform of bookselling.https://t.co/FoBrSOZiyY
— Cory Doctorow (@doctorow) April 16, 2020
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