Uma vacina DIY e de licença aberta? Um grupo de cientistas está a testar

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Foto de CDC via Unsplash

Uma vacina DIY e de licença aberta? Um grupo de cientistas está a testar

Um grupo de cientistas ligados em rede está tentar desenvolver, sem aprovação da FDA – o homólogo do Infarmed nos EUA – uma vacina que possa ser desenvolvida em casa por qualquer pessoa com conhecimentos laboratoriais básicos. Para o efeito, todo o conhecimento, e a fórmula final, são partilhados recorrendo a licenças abertas, as famosas Creative Commons.

Desde que a pandemia da Covid-19 se fez sentir que uma das áreas mais badaladas tem sido o desenvolvimento científico de um fármaco capaz de combater eficazmente o vírus e travar a sua progressão. Seja uma vacina que conceda imunidade aos corpos vacinados ou um medicamento que rapidamente o debele depois da infeção, cientistas de todo o mundo concentram esforços para desenvolver uma solução.

Contudo, no meio deste esforço concentrado, surgem grandes questões políticas que podem complicar o acesso da população global ao produto final, por muito bom e barato que ele seja. Tal como aqui te demos conta, a investigação e desenvolvimento cientifico é uma área extremamente competitiva onde não só empresas, como os próprios estados, lutam financeiramente e não só, por proteger com patentes as suas fórmulas. Deste modo as empresas conseguem rentabilizar melhor a custosa pesquisa e os estados conseguem garantir uma mais rápida vacinação das suas populações. Outros que queiram produzir a vacina são obrigados a pagar um preço determinado, ou a cumprir outras condições definidas – até lá desconhecidas. Quem não tiver condições financeiras ou diplomáticas pode mesmo ficar de fora, ou altamente dependente, por exemplo, de campanhas de vacinação financiadas por filantropos como vimos no passado.

As leis de proteção de propriedade intelectual, neste caso as patentes, fazem-se assim sentir numa área onde o senso comum determina que o que quer que seja descoberto possa ser de todos. Mas as leis económicas obrigam a que estratégias de rentabilização sejam postas à frente de vidas humanas. Mas se aos olhos da contemporaneidade, a problemática não pode ser definida como ilegal, nem tão pouco imoral – dada a sua banalidade – a falência do modelo do ponto de vista ético é evidente. E por isso um grupo de cientistas-cidadãos está a desenvolver uma proposta absolutamente radical.

RaDVaC – Rapid Deployment Vaccine Collaborative

Com o apoio da faculdade de Harvard, um grupo de cientistas ligados em rede está tentar desenvolver, sem aprovação da FDA – o homólogo do Infarmed nos EUA – uma vacina que possa ser desenvolvida em casa por qualquer pessoa com conhecimentos laboratoriais básicos. Para o efeito, todo o conhecimento, e a fórmula final, são partilhados recorrendo a licenças abertas, as famosas Creative Commons.

O processo de desenvolvimento desta vacina é tudo menos aquilo a que estamos habituados – e fica uma nota extra de que este artigo não é um endosso mas uma mera informação. Os cientistas querem provar que conseguem desenvolver uma vacina de forma mais barata e mais eficiente e para isso saltam alguns passos e modificam outros, nomeadamente, servindo como cobaias das suas próprias criações.

O grupo, auto-denominado RaDVaC, sigla para o termo Rapid Deployment Vaccine Collaborative, está registado como uma associação sem fins lucrativos e não tem qualquer intuito comercial. Reúne cientistas da Escola Médica de Harvard e o professor George Church, da mesma escola. Como motivação apontam as falhas infraestruturais dos sistemas de saúde pública, nomeadamente na área da regulação e comercialização. Em sentido inverso dizem assentar a sua proposta em décadas de literatura científica descrevendo os métodos que hoje põem em prática.

Ao contrário da imagem consensual que temos de uma vacina, este grupo procura desenvolver uma bem diferente. A sua ideia é desenvolver uma vacina de https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistração nasal, que desde logo crie uma proteção para o nariz, uma das áreas de entrada do vírus. Convém mais uma vez referir que a sua investigação é voluntária e não tem o aval das instituições responsáveis por regular este sector.

Vacina em Creative Commons

A disponibilização da fórmula em Creative Commons e a tentativa de desenvolver uma vacina relativamente simples são descritos como uma forma de compaixão:

All contents of this site are covered by a Creative Commons Attribution 4.0 License (CC BY 4.0). You are free to Share (copy and redistribute the material in any medium or format), and Adapt (fork, alter, and build upon) the material for any purpose. The only requirement is Attribution.

No site do grupo pode-se encontrar o White Paper contendo as principais informações sobre o estudo, nomeadamente os avisos sobre a falta de supervisão e regulação, que demandam responsabilização individual de cada pessoa que queira, de algum modo, envolver-se no experimento. Actualmente anunciaram que estão a desenvolver uma série de testes, na própria equipa, e apesar do processo não ser aprovado, há alguma expectativa pelos resultados.

Tenha ou não sucesso, seja ou não a vacina que globalmente precisamos para combater a pandemia de coronavírus — é preciso ter em conta que apenas uma ínfima parte das vacinas desenvolvidas chega às fases finais. Este não deixa de ser um exemplo de como as políticas regulatórias existentes podem ser usadas de forma mais democrática e inclusiva. Desde logo sabemos que se este grupo algum dia chegar a uma fórmula de sucesso, qualquer um poderá usá-la, graças aos 6 pequenos caracteres que vemos replicado no seu site: CC BY 4.0. A licença que determina que qualquer pessoa pode partilhar (copiar e redistribuir a informação) e adaptar (modificar, optimizar, melhorar) a fórmula para qualquer propósito, tendo apenas que atribuir o crédito aos seus criadores originais.

NOTA: Este artigo não é um endosso aos métodos, técnicas ou resultado da investigação. É um artigo meramente informativo que pretende dar conta de um grupo de desenvolvimento com uma política de licenciamento e desenvolvimento diferente e não pretende, de modo algum, servir de recomendação clínica ou incentivar, de algum modo, à toma de qualquer substância.

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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