Sempre que falamos de escravatura tendemos a fazê-lo de uma perspectiva quase histórica, como se essa realidade não fizesse parte do mundo em que vivemos. Mas a verdade é que se o senso comum nos dá essa noção, um estudo do Laboratório dos Direitos da Universidade de Nottingham no Reino Unido e o Centro para os direitos humanos da Universidade de Monash na Austrália, reuniu informações sobre o enquadramento legal da escravidão em países por todo o mundo e concluiu que em mais de metade deles não existem provisões legais que criminalizem esta prática nas suas novas formas.
O estudo que pode ser consultado aqui, sob a forma de mapa interactivo recolheu informações sobre o enquadramento legal de cada país, mapeando onde existem e que tipo de provisões legais existem no sentido de proteger os mais vulneráveis de acabarem em situação de escravidão, correlacionando os vários níveis legais de cada país (constituição, código penal) e os compromissos internacionais a que este país está sujeito. Como escravidão entende-se não só o tráfico humano — inscrito como crime em cerca de 96% dos 193 países analisados — mas também outras formas de exploração de um indivíduo, numa noção alargada de escravidão moderna, que inclui o trabalho forçado, a servidão, práticas similares à escravatura como a servidão por dívida, a transferência de mulheres para casamento, ou a entrega de crianças para serem exploradas.
O estudo aponta para o facto de apesar de a maioria dos estados estar obrigada a abolir a escravatura por força de tratados internacionais, a maioria deles não ter transposto para a sua legislação doméstica medidas de provisão contra esta prática em todas as suas manifestações com as palavras certas e as definições inequívocas. Por exemplo 49% dos estados, 94 no total, não têm qualquer legislação criminal que proíba taxativamente a escravidão ou o tráfico de escravos e 58%, 112, não contemplam penalizações penais para quem recorra a trabalho forçado. Em sentido inverso apenas 24 (12%) países parecem ter provisões penais contra as novas formas de escravidão sendo que apenas 5 (3%) contemplam as 5 práticas referidas no estudo na sua lei.
Este estudo serve assim de alerta para o espaço deixado entre o determinado em tratados internacionais e o que é transposto para as leis domésticas, evidenciando a vulnerabilidade das zonas de sombra das leis anti-escravatura existentes em cada país. Neste particular, os investigadores chamam à atenção para o texto da própria lei, explicando como a definição de escravatura inscrita na lei é fundamental na abordagem do problema, aludindo à definição de escravidão estabelecida na convenção de 1926 que não foi transporta para a lei de todos os países que assim continua a proibir aspectos específicos da escravidão – como o tráfico de pessoas – sem proibir o fenómeno no seu todo e em qualquer uma das suas expressões.
Como conclusão, os investigadores apontam um número chocante, que em 94 países dos estudados uma pessoa pode não ir presa se escravizar outra e que em apenas 12 países a disposição legal existente segue a convenção internacional sem deixar margem para interpretações sobre o que é ou não escravidão em pleno século XXI.