A mensagem de esperança de David Hockney para o período de quarentena

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Foto via Shifter

A mensagem de esperança de David Hockney para o período de quarentena

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No início da Primavera, David Hockney publicou um desenho com um ramo de narcisos amarelos num prado verde. Daí para a frente, é recorrente encontrarmos pelas redes sociais os seus trabalhos de esperança tão optimistas e contrastantes com tempos de incerteza.

Em finais do mês de Março, começaram a surgir online pinturas digitais com flores e cores de primavera de David Hockney. O pintor de 82 anos, de quarentena como tantos de nós, continua a pintar e a espalhar a sua famosa paleta colorida num momento de ansiedade cinzenta. Nessa altura, numa entrevista ao The Guardian, aconselhava-nos a aproveitar o tempo para praticar o desenho à vista daquilo que nos rodeia, com os materiais que quisermos, um lápis ou o iPad que o próprio tem usado nos tempos que correm. “Precisamos de arte e acho que isso pode aliviar o stress”, disse da sua clausura na Normandia, no norte de França. “O que é o stress? É preocuparmo-nos com algo do futuro. A arte é o agora.” 

Numa altura em que cada vez mais pessoas têm nos passeios ao ar livre, no tempo na varanda ou na vista da janela a sua ligação à liberdade, as novas pinturas de iPad de Hockney da zona rural da Normandia defendem o encontro com a natureza como método para a fuga, o consolo e a renovação. São como o culminar de uma vida passada a observar árvores, flores e céus – na maioria das suas obras mais famosas, o pintor inglês observa com atenção elementos naturais, das palmeiras de Los Angeles aos arbustos de Yorkshire.

Para celebrar essa comunhão, no dia 21 de Março, início da Primavera, publicou no jornal The Art Newspaper um desenho com um ramo de narcisos amarelos num prado verde com o nome Do remember they can’t cancel the spring (“Lembrem-se que eles não podem cancelar a Primavera”). Daí para a frente, é recorrente encontrarmos pelas redes sociais os seus trabalhos de esperança tão optimistas e contrastantes com tempos de incerteza.

Essa mensagem de esperança ganhou outros contornos quando, na semana passada, aquele que é um dos grandes mestres da pintura mundial contemporânea escolheu dirigir-se aos franceses, numa carta que serve, ainda assim, o mundo. Desafiado pela sua amiga Ruth Mackenzie, actual directora artística do Teatro de Châtelet, em Paris, Hockney escreveu uma carta aberta que foi lida pelo jornalista e crítico literário Augustin Trapenard em directo no seu programa de rádio na France Inter e difundida noutros media e redes sociais.

“Voltamos à Normandia a 2 de março e comecei a desenhar essas árvores esqueléticas no meu iPad”, escreve.

“Durante este tempo, o vírus, louco e incontrolável, propaga-se. Muitas [pessoas] me dizem que estes desenhos oferecem descanso neste momento de desafio… Que eles são testemunhos do ciclo da vida que começa sempre com o nascimento da primavera… Idiotas como somos, perdemos o nosso vínculo com a natureza, mesmo fazendo completamente parte dela. Tudo isso terminará um dia. Que lições vamos aprender? Eu tenho [quase] 83 anos, vou morrer. Nós morremos porque nascemos. As únicas coisas que importam na vida são a comida e o amor, nessa ordem, e também o nosso cão Ruby. Eu realmente acredito nisso e, para mim, a base da arte é o amor. Eu amo a vida.” (tradução livre)

Na carta directamente endereçada à sua “cara Ruth”, Hockney diz que o isolamento não o preocupa muito. O pintor escolheu viver na Normandia no ano passado, para onde se mudou a partir da sua anterior residência na solarenga Califórnia. É sobre isso que fala no início da carta, dizendo que “sempre sonhei poder estar a viver aqui no início da Primavera”, descrevendo depois um dia a dia de contemplação das “pereiras, macieiras, cerejeiras e ameixoeiras em flor, e também os pilriteiros e abrunheiros”, que eram as únicas árvores que já conhecia de Yorkshire, na costa leste de Inglaterra, onde antes também viveu.

O artista fala ainda sobre a sua utilização das novas tecnologias. “Desenho no meu iPad, um meio bem mais rápido do que a pintura”, contando que já recorre às novas tecnologias há quase 10 anos mas que só agora encontrou um aparelho compatível com o seu desejo de responder depressa ao apelo da natureza envolvente, e também da sua nova casa rodeada por um grande jardim. “Para um desenhador, a rapidez é a chave, mesmo que alguns desenhos demorem quatro ou cinco horas de trabalho”.

A sua carta é mais um manifesto de amor à vida, que uma conversa entre amigos. Uma prova do que realmente importa para um dos artistas vivos mais valiosos do mundo: comida, amor e um cão, e o florescer da natureza como o da esperança, que pretende que todos nós aproveitemos, contra o vírus e o confinamento.

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  • Rita Pinto

    A Rita Pinto é Editora-Chefe do Shifter. Estudou Jornalismo, Comunicação, Televisão e Cinema e está no Shifter desde o primeiro dia - passou pela SIC, pela Austrália, mas nunca se foi embora de verdade. Ajuda a pôr os pontos nos is e escreve sobre o mundo, sobretudo cultura e política.

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