Nos últimos dias, algumas notícias apontavam para a hipótese de que Rui Pinto, o autor do Football Leaks, estaria por detrás também deste Luanda Leaks – a Polícia Judiciária já estaria a investigar essa ligação. A associação do denunciante português ao caso que pôs na mira da justiça a mulher mais rica de África foi, esta segunda-feira, confirmada pelos advogados de Rui Pinto, William Bourdon e Francisco Teixeira da Mota.
Há uma semana, o Luanda Leaks mudou a vida da mulher mais rica de África e do seu império. Isabel de Santos, que segundo aponta a investigação jornalística, terá construido um império à custa de dinheiros públicos, viu serem tornados públicos documentos de esquemas financeiros e negócios obscuros entre a empresária, o Governo angolano liderado pelo seu pai e a sua “família” de empresas. Ao longo de uma semana, foram sendo conhecidas algumas consequências directas do caso Luanda Leaks: a saída de Isabel dos Santos do banco EuroBic e da fabricante de infra-estruturas energéticas Efacec; um alegado suicídio (ainda por explicar) do gestor de contas da empresária angolana no EuroBic; demissões de https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistradores da operadora NOS ligados ao caso; mudanças de cadeiras na consultora PwC e início de uma investigação interna; consequências em empresas angolanas como o Banco de Fomento de Angola (BFA) ou a Unitel; questões diplomáticas entre Portugal e Angola afectadas, etc.
O Luanda Leaks e o Football Leaks tinham em comum o facto de terem ambos sido trabalhados por um consórcio de jornalistas – o Football Leaks pelo European Investigative Collaborations (EIC), integrado por orgãos de referência como o Der Spiegel; o Luanda Leaks pelo International Consortium of Investigative Journalism (ICIJ). Só que com o Luanda Leaks, Rui Pinto terá sido mais calculoso. No Football Leaks existiu um blogue em 2015 no qual algumas das informações eram divulgadas e só em 2016 o Football Leaks se tornou um caso jornalístico; no Luanda Leaks, um conjunto de 715 mil documentos/356 GB de material foi entregue aos jornalistas do ICIJ pela Plataforma para a Protecção de Denunciantes em África (PPLAAF). Esta plataforma, constituída em 2017, é liderada por William Bourdon e tem como objectivo proteger e defender whistleblowers em África.
Esse material tinha sido entregue por Rui Pinto “há mais de um ano” e, desde então, o denunciante “aguardava que o trabalho [jornalístico] ficasse concluído para assumir que tinha sido ele o whistleblower”, revelou Francisco Teixeira da Mota à Rádio Observador. “Desde o princípio que era intenção [de Rui Pinto] revelar a autoria da entrega à plataforma de defesa dos whistleblowers e da luta contra a corrupção um disco rígido com esta documentação.” Ao Diário de Notícias, William Bourdon reforçou que Rui Pinto é “a única fonte” do Luanda Leaks e que ele é “o Edward Snowden da corrupção internacional”, devendo ter “a mesma escala de importância” do denunciante norte-americano.
A associação de Rui Pinto ao Luanda Leaks surge ainda num comunicado da PPLAAF, em que se refere que a colaboração entre a PPLAAF e o consórcio de jornalistas (ICIJ) passou “exclusivamente” pela entrega do disco rígido onde estavam os milhares de documentos e que terá acontecido no final de 2018. Assim, a PPLAAF e Rui Pinto deixaram os jornalistas seleccionar e tratar a informação, da mesma forma que, em 2013, Edward Snowden também entregou aos jornalistas a tarefa de tratar a informação em bruto sobre a NSA e de trazer a público aquilo que considerassem relevante. Na investigação jornalística que resultou no Luanda Leaks, trabalharam 120 jornalistas de 36 meios de comunicação social em 20 países – o jornal português Expresso integra este consórcio.
Acusado formalmente de 93 crimes na sequência do Football Leaks, Rui Pinto tem sido tudo menos visto como um whistleblower (ou denunciante) pelas autoridades portuguesas. Os advogados de Rui Pinto – William Bourdon e Francisco Teixeira da Mota – deverão esperar que esta ligação ao Luanda Leaks possa beneficiar o seu cliente. O comunicado da PPLAAF refere que Rui Pinto pretendeu uma vez mais “expor actividades que são ilegais ou contrárias ao interesse público” e lembra que “muitos meios de comunicação internacional consideram-no um denunciante”.
Os advogados de Rui Pinto e a PPLAAF esperam que o Luanda Leaks levem a “investigações mundiais e promovam a luta contra a impunidade em crimes económicos”. “A PPLAAF tem o prazer de verificar que mais uma vez é um whistleblower que revela ao mundo ações que vão contra o interesse público internacional. Como no caso dos Football Leaks, estas revelações deviam permitir que novas investigações sejam lançadas e ajudar-nos a combater a impunidade, em Angola e no mundo”, lê-se. A mesma nota recorda que Rui Pinto “tinha participado na revelação dos Football Leaks, com dezenas de milhões de documentos de contratos, transferências, comissões e evasões fiscais no mundo do futebol. Estas revelações e a cooperação de Rui Pinto com muitas autoridades europeias levaram a investigações judiciais em vários países”.