Sorry We Missed You: uma luta familiar contra a crise global

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Fotografia de cena de Joss Barratt

Sorry We Missed You: uma luta familiar contra a crise global

Têm sido menos reconhecidos os filmes que se focam diretamente nas vítimas do cataclismo socioeconómico. É isso que Ken Loach visa remediar com Sorry We Missed You.

No decorrer desta última década, tem sido lançada uma série de filmes que tomam como tema central o colapso dos mercados americanos que, em 2008, abalou o mundo. O mais famoso destes seria “The Big Short”, de Adam McKay, uma comédia negra que desconstrói passo a passo o modo como o ultraliberalismo do setor imobiliário americano causou um efeito dominó que destruiu a vida a muitos pelo mundo fora. Também temos exemplos mais subversivos deste género de crítica, como por exemplo uma das jóias cinemáticas escondidas de 2012, o filme “Killing Them Softly”, de Andrew Dominik, um neo-noir que usa como o submundo criminoso para destilar o coração capitalista que faz a América vibrar até tudo rebentar. Mas surpreendentemente, têm sido menos reconhecidos os filmes que se focaram diretamente nas vítimas deste cataclismo socioeconómico. É exatamente isso que Ken Loach visa remediar com “Sorry We Missed You” — em português “Passámos Por Cá”.

Loach sempre esteve na vanguarda do cinema pró-social britânico. Com crítica às políticas de pensões em “I, Daniel Blake”, à guerra civil irlandesa em “The Wind That Shakes the Barley”, e às ramificações do alcoolismo em “My name is Joe”, o realizador molhou os pés em tudo o que era consequência do clima social, político e económico do Reino Unido, adotando consistentemente um ponto de vista humano e realista no modo como abordava estes temas. Por isso não devia ser surpreendente que, para o seu 36º filme, este decida abordar o tema da crise económica de 2008, com um retrato simultaneamente duro e carinhoso duma família que, após 10 anos, ainda tenta recolher os cacos do espelho, da vida, que que tal crise estilhaçou.

Ricky, é o patriarca de orgulho ferido e coração mole, que arranja um trabalho numa companhia de entrega de encomendas; Abby, a mãe que tenta segurar o leme da família, ao mesmo tempo que lida com um emprego que lhe consome todo o tempo; Seb, adolescente rebelde que procura uma libertação artística para o sufoco que a escola e família lhe causam; E Lisa, a mais nova do grupo, a base emocional que evita o colapso total do seio familiar. E o filme em vez de percorrer os mais típicos arcos narrativos com princípio, meio e fim, salta sucessivamente entre estes quatro pontos de vista, oferecendo-nos um conjunto de vinhetas intervaladas que se vão cortando, interceptando e, por vezes, chocam, em partes iguais, conferindo dinamismo e peso emocional à veia naturalista da realização, com planos simples e abertos, por vezes de longa duração, que ajudam fortemente na imersão da audiência.

Fotografia de cena de Joss Barratt

Os atores, todos eles estreantes diante da câmara, fazem um trabalho de louvar com a riqueza do guião que lhes foi dado, desabrochando personagens do texto com as quais é tremendamente fácil a audiência empatizar. A vertente estilística e cultural das personagens também fortifica o realismo do filme, quer seja pelos looks típicos da classe média-baixa britânica, ou grande foco nos dialetos e sotaques usados pelas personagens (uma política de rigor, que se estende a todos os filmes de Loach).

Todos estes elementos se compactuam num filme que, para a sua económica duração de 100 minutos, consegue albergar uma enorme vaga de emoções e ideias numa embalagem extremamente acessível às massas, livre de grandes pretensões simbólicas para além do retrato cru e pessoal duma vida pós-crise, um retrato com o qual muitos se irão identificar. Loach reconstrói o espelho para todos nós, pede que nos coloquemos diante deste. Façamos isso, então.

Texto de Duarte Cabral

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