Rinocerontes, coalas e histórias sobre alterações climáticas

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Iman, o último Rinoceronte-de-Sumatra conhecido na Malásia (foto via Borneo Rhino Alliance)

Rinocerontes, coalas e histórias sobre alterações climáticas

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Morreu o último Rinoceronte-de-Sumatra na Malásia e os fogos na Austrália deixaram os coalas à beira de extinção. A era das alterações climáticas também é a era da extinção animal.

O último Rinoceronte-de-Sumatra conhecido na Malásia vivia no país há 25 anos. Chamava-se Iman e morreu este sábado com cancro, extinguindo assim a sua espécie naquele país, seis meses após o último rinoceronte masculino da sua espécie se ter extinguido e “mais cedo que o esperado”, de acordo com os cientistas. Durante vários anos, a equipa de investigadores que seguia Iman na Ilha de Borneo tentou retirar amostras dos seus óvulos para uma possível colaboração com outros cientistas para reproduzir a espécie criticamente ameaçada através de programas de inseminação artificial, mas sempre sem sucesso.

A Lista Vermelha

O Rinoceronte-de-Sumatra é o menor dos rinocerontes e o único com dois chifres. Em tempos percorreu a Ásia até à Índia, mas o seu número diminuiu drasticamente devido ao desmatamento e à caça furtiva. O grupo de conservação da WWF calcula que restem apenas cerca de 80 animais da espécie, a maioria vivendo em estado selvagem na ilha de Sumatra, na Indonésia. O Rinoceronte-de-Sumatra está, por isso, na chamada Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, que junta os animais criticamente ameaçados no mundo.

A homepage do site da Lista Vermelha (screenshot via Shifter)

A lista tem várias categorias. EX para Extinto (em inglês Extinct), que significa que não existe nenhum exemplar da espécie analisada vivo na natureza ou em cativeiros. EW para Extinto na Natureza (em inglês Extinct in the Wild): a espécie analisada já não existe no seu habitat natural, existindo apenas representantes em cativeiros. CR para Criticamente em Perigo (em inglês Critically Endangered): a espécie classificada como criticamente ameaçada corre um risco extremamente alto de ser extinta da natureza. Existem ainda EN para Em Perigo, VU para Vulnerável, NT para Quase Ameaçada, LC para Pouco Preocupante, DD para Dados Deficientes ou NE para Não Avaliado.

Extinções provocadas pelo Homem

Rinocerontes como Iman, que são vítimas históricas da caça e da consequente venda dos seus chifres no mercado negro, são agora, como todas as outras espécies do mundo, vítimas iminentes das alterações climáticas e dos seus efeitos secundários. Numa mensagem de despedida e pesar, John Payne, director executivo da Borneo Rhino Alliance, onde Iman vivia, apontou precisamente as mudanças climáticas como uma das principais causas que levaram à extinção da espécie na Malásia, num acontecimento que dura há já algum tempo, com a perda de cinco animais em cinco anos. Praticamente todos os animais na Lista Vermelha da UICN têm Alterações Climáticas e Meteorologia Extrema como uma das principais ameaças à sua espécie.

Incêndios matam coalas

Na Austrália, à medida que o país vive um período de seca e incêndios florestais sem precedentes, estima-se que mais de 1000 coalas tenham morrido e que mais de 80% do seu habitat tenha sido destruído. A espécie é agora considerada “funcionalmente extinta”isto é, VU, a sigla que para a UICN representa a sua vulnerabilidade.

Os números foram avançados pela presidente da Fundação Australiana de Coalas, Deborah Tabart. Conforme explicou, uma população considerada “funcionalmente extinta” é uma população que se torna tão limitada que deixa de desempenhar um papel significativo em seu ecossistema. Embora alguns indivíduos continuem a poder reproduzir-se, o número limitado de coalas torna a viabilidade da espécie a longo prazo improvável e altamente suscetível a doenças. A designação está, no entanto, a ser questionada por alguns investigadores, que consideram demasiado difícil medir as populações totais de coalas, dada a dimensão do país em que vivem e a dispersão dos seus habitats.

O coala Lewis foi resgatado dos incêndios por uma senhora na Austrália, acabou por falecer (imagem via 9News)

Ainda assim, o desmatamento e os incêndios florestais destroem a principal fonte de nutrientes dos coalas, o eucalipto. Um coala adulto come até dois quilos de folhas de eucalipto por dia como o seu principal alimento. Embora as plantas de eucalipto voltem a crescer após um incêndio, levará meses, deixando os animais sem a sua fonte de alimento adequada, um cenário provável para muitos.

Várias organizações têm pedido ao Governo australiano a promulgação da chamada Koala Protection Act, escrita em 2016, mas nunca aprovada na lei e moldada através da após a Lei de Proteção da Águia Americana nos EUA. A dita lei funcionaria para proteger habitats e árvores vitais para os coalas, além de proteger a espécie da caça.

Vários vídeos virais de australianos a resgatar coalas dos incêndios nos estados de Queensland e New South Wales levaram ao aumento de doações para apoiar a hospitalização dos animais queimados e ajudar à criação de estações de água no meio das florestas onde habitam.

Espécies ameaçadas pelas alterações climáticas

No início deste ano, um pequeno rato castanho chamado Bramble Cay Melomys, que vivia numa pequena ilha no norte da Austrália, tornou-se o primeiro mamífero conhecido a ficar extinto por causa das mudanças climáticas provocadas pelo Homem. Quase metade das espécies australianas estão ameaçadas pela crise climática, determinou na altura a comunidade científica.

Esta semana, a revista científica Nature publicou um estudo que refere que quase todas as espécies ameaçadas nos Estados Unidos terão dificuldades para se adaptar à crise climática – todas, excepto uma das 459 espécies declaradas em vias de extinção pelo Governo norte-americano, têm características que as tornam especialmente vulneráveis ​​ao aumento da temperatura terrestre. Anfíbios, moluscos e artrópodes são as espécies mais sensíveis às ameaças relacionadas com as alterações climáticas, como as mudanças na qualidade da água, nas estações do ano como as conhecemos ou as espécies invasoras nocivas que se movem à medida que a temperatura sobe.

Apesar dos dados alarmantes do estudo, estranhamente (ou não), o Governo dos EUA desprezou a sua dimensão. As agências federais norte-americanas consideram que apenas 64% das espécies em vias de extinção estão a ser mais ameaçadas pela crise climática, e apenas 18% das espécies enumeradas têm planos de protecção em vigor.

Um milhão de espécies corre risco de extinção

Em Maio, um relatório histórico da ONU já tinha alertado para o facto de um milhão de espécies em todo o mundo correrem risco de extinção, com o aquecimento global sendo um dos principais pontos de pressão sobre a biodiversidade. Aos títulos e estudos preocupantes soma-se a inacção dos Governos. Menos de dois quintos das florestas da América Latina, da Ásia e de África permitem hoje aos animais e plantas escapar aos aumentos de temperatura potencialmente intoleráveis”; “O desaparecimento de florestas tropicais entre 2000 e 2012 levou à perda de uma superfície superior ao tamanho da Índia que protegia as espécies dos efeitos das alterações climáticas”.

“Ao ritmo actual das alterações climáticas os animais e as plantas tropicais, mesmo que se consigam mudar para zonas actualmente mais frescas, poderão estar expostos em 2070 a um ambiente 2,7 ºC mais quente comparado com a segunda metade do século XX.”

Foto de Ricardo Resende via Unsplash

Em Portugal

Em Portugal, o Governo anunciou em Outubro que vai criar uma um provedor do animal, na primeira medida do capítulo do programa do executivo dedicado à conservação da natureza e à recuperação da biodiversidade, no qual também preconiza a co-gestão das áreas protegidas.

Referindo que Portugal possui um património de flora e fauna bastante rico e diverso, associado a uma grande variedade de ecossistemas, habitats e paisagens, o programa do Governo aprovado em Conselho de Ministros refere que as alterações climáticas e a actividade humana são factores que podem desequilibrar este sistema.

Assim, considera o documento, “é fundamental actuar na sua protecção activa, promovendo actividades sociais e económicas cujo objectivo explícito seja a recuperação e regeneração da biodiversidade” e nesse sentido propõe criar um Provedor do Animal.

Intervir na conservação e de recuperação de espécies (de flora e fauna) e habitats e “desenvolver programas de apoio ao restauro de serviços dos ecossistemas em risco, assim como de restauro de biodiversidade funcional (como por exemplo polinizadores, plantas medicinais, habitats aquáticos)” são outros objectivos no âmbito da conservação da natureza.

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  • Rita Pinto

    A Rita Pinto é Editora-Chefe do Shifter. Estudou Jornalismo, Comunicação, Televisão e Cinema e está no Shifter desde o primeiro dia - passou pela SIC, pela Austrália, mas nunca se foi embora de verdade. Ajuda a pôr os pontos nos is e escreve sobre o mundo, sobretudo cultura e política.

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