A abstenção é uma opção? Falámos com quem não se importa de a assumir

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Abstenção 2019
Via Freepik com Modificação

A abstenção é uma opção? Falámos com quem não se importa de a assumir

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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Entrevistámos 3 pessoas de proveniências diferentes e que sem medo dos rótulos se assumiram como abstencionistas. Para os 3 uma coisa é certa: o sistema eleitoral é deficitário e uma das razões de base para que o seu voto seja, no mínimo, pouco frequente.

Em cada ciclo eleitoral que atravessamos e por muitos que sejam os partidos a concurso, o grande vencedor é sempre o mesmo, e previsível à partida: a abstenção. O número daqueles que escolhem não exercer o seu direito é quase sempre superior ao número de votos no partido mais representado e, assim, a abstenção torna-se um assunto inevitável nas intervenções de balanço pós-eleitoral. Este ano foram 45,50% contra os 36,65 do Partido Socialista. Regra geral as palavras que se lhe dirigem são de condenação, de crítica e o tom de uma certa superioridade moral vinda daqueles que, por exercer o seu direito, se acham na legitimidade de criticar os que não o fizeram.

A abstenção tornou-se numa espécie de bicho papão de algumas democracias e, nos circuitos mediáticos mais comuns, dificilmente encontramos quem assuma que não votou ou mesmo quem se debruce sobre as nuances que podem levar alguém a, conscientemente, abdicar de um direito que tanto sacrifício custou a outros com quem partilhamos a história. Mais do que um problema, a abstenção tornou-se um assunto tabu que só se aborda levemente e, pior do que isso, que se critica superficialmente numa lógica dicotómica e em que todas as nuances acabam desprezadas. Seja em posts nas redes sociais, ou em espaços de comentário televisivos, onde quer que se comente a abstenção o tom é de desprezo e a hipótese una.

Já para quem se assume como abstencionista a questão é mais complexa e os ângulos de abordagem mais díspares, como percebemos ao entrevistar 3 pessoas de proveniências diferentes e que sem medo dos rótulos esmiuçaram as suas visões. Neste exercício faltaram algumas vozes, de grupos específicos que mereciam a sua representação, mas, provavelmente fruto do estigma, poucos foram os que se disponibilizaram para responder mesmo perante apelos públicos. Falámos com o Sérgio, de 57 anos, motorista de pesados que vive emigrado no Reino Unido, o José Guimarães, mais conhecido como Zé Guima, 29 anos, promotor e rapper nas horas vagas no grupo 69MM, e com o ‘Pedro’, estudante universitário que preferiu não ser identificado nesta reportagem. Para os 3 uma coisa é certa: o sistema eleitoral é deficitário e uma das razões de base para que o seu voto seja, no mínimo, pouco frequente.

“Se todos os abstencionistas fossem obrigados a votar, iam realizar o voto inconsciente, iam votar num partido qualquer porque viram um cartaz ou porque gostam da pinta do candidato. Eu acho esse voto ainda mais perigoso que o abstencionismo” é a ideia com que Pedro inicia a conversa e que o Zé subscreve na íntegra. Para os dois é claro que a tendência repressiva em relação à abstenção esconde um resultado perverso que nem sempre é considerado nas análises dos resultados eleitorais. “Se julgarmos a parte da população que não vota, devemos também julgar aqueles votam sem estar informados” sugere o Pedro de um modo quase irónico que nos posiciona sobre uma questão sobre a qual pouco ou nada se sabe: quantos dos votos são conscientes e informados.

O rebate da ideia de que a abstenção resulta única e exclusivamente do desinteresse marca o discurso tanto do Pedro, como do Zé que apesar de se assumirem como não-votantes garantem que acompanham de perto o que se passa no universo político português. Nos 3 casos a crítica mais frequente é ao sistema eleitoral, Sérgio é o mais peremptório de todos ao justificar a sua posição com um simples “sei como o sistema funciona”. Neste particular, os 3 revelam o tempo que perderam a pensar apresentando propostas alternativas ao sistema eleitoral vigente. O Pedro sugere mudanças no modelo eleitoral, rejeitando por completo a ideia de voto único — sem assumir uma só ideia de como o sistema poderia ser, sugere o voto por aprovação, em que “o eleitor pode votar em mais do que um partido, podendo votar em todos os que aprove”, ou voto por pontuação, em que “o eleitor atribui uma pontuação a cada partido dentro de uma escala”. O Sérgio propõe uma mudança para um sistema “uninominal com 2ª volta que tem pelo menos 2 vantagens: sei quem elejo e acaba com os cozinhados…”. Já o Zé, propõe uma visão ainda mais inconformada, e foca a sua crítica no sistema parlamentar e sugere uma mudança que teria obrigatoriamente de começar pelo mindset dos partidos. “Devia haver um sistema que se foque em fazer com que os partidos cheguem a um consenso, não que disputem o poder entre si”; sugere, acrescentando que outra ideia seria “retirar o poder central da mão dos partidos entregando o governo ao partido eleito mas garantindo uma supervisão próxima de uma comissão técnica sem ligações ao partido do governo”. No meio disto, divaga sobre outros campos e, reflectindo livremente sobre o estado do próprio estado, sugere que há uma grande desconexão entre os vários agentes da sociedade civil e o sistema político, concluindo que a nomenclatura se torna vã pela falta de consolidação de um sistema que coloque todos os cidadãos (e estruturas em que estas se organizem) em diálogo.

Para todos eles é claro que o principal problema está no sistema e nenhum se arrepende da opção por não votar. Pelo contrário, esperam que a sua acção (ou inação) seja entendida como uma forma de protesto ao sistema; Sérgio é quem vai mais longe dizendo mesmo que esse sentimento de culpa advém da nossa ascendência latina e que nem devia ser considerado. É assim que se explica que, a meio da conversa, o Pedro se mostre também ele crítico do que chama “abstencionismo de praia”, acrescentando um apelo ao voto para todos aqueles que acreditam no sistema vigente, referindo tacitamente que é para isso que existe o voto branco.

É nesse sentido que também defendem que é preciso querer saber mais sobre a abstenção, partindo desse princípio da baixa participação eleitoral para estratégias de aproximação entre os cidadãos e a política, e quiçá, para uma discussão mais alargada sobre o sistema eleitoral, como antes referido. Para os entrevistados, o voto deve ser visto como um direito conquistado que não deve ser confundido com um dever imposto e, em comentário a afirmações como as de Miguel Sousa Tavares que diz não encontrar “nenhuma desculpa aceitável” para a abstenção, Zé Guima sublinha que na base da sua visão do que é democracia está precisamente a possibilidade de “tomar decisões de livre e espontânea vontade, ao invés de por mera obrigação”.

Uma coisa é certa sobre as três posições: são todas distintas e consolidadas em argumentos diferentes; contudo, flexíveis ao ponto de assumir o voto em caso extremo. Apesar de se assumirem como abstencionistas, todos consideram votar numa situação extrema — para Sérgio essa situação extrema aconteceu mesmo nestas eleições que o levaram às urnas ao fim de décadas para “evitar a maioria absoluta de um certo partido”. Já Pedro assume que só votaria no dia em que sentisse os seus direitos básicos ameaçados por uma possível eleição. Depois de partilhar connosco tudo o que o motivava a não votar, usufruindo da oportunidade de expressar logicamente o seu protesto, Zé decidiu dirigir-se às urnas e, à última da hora, exercer o direito de votar de um modo informado. Afinal de contas a sua recusa era um protesto que não tinha outra forma de se fazer ouvir.

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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