O bom, o mau e o vilão: a história sobre um Instagram sem likes

Procurar
Close this search box.
Instagram Likes
Foto de Prateek Katyal via Unsplash

O bom, o mau e o vilão: a história sobre um Instagram sem likes

A democracia precisa de quem pare para pensar.

Num ambiente mediático demasiado rápido e confuso, onde a reação imediata marca a ordem dos dias, o Shifter é uma publicação diferente. Se gostas do que fazemos subscreve a partir de 2€ e contribui para que tanto tu como quem não pode fazê-lo tenha acesso a conteúdo de qualidade e profundidade.

O teu contributo faz toda a diferença. Sabe mais aqui.

Estará aí a surgir uma nova internet sem likes?

Se calhar, já leste sobre o Instagram estar a testar, em alguns países, uma versão onde deixa de estar visível o número de likes que os posts têm. Mas o que isto tem de tão importante e como poderá ser o início de uma grande mudança que se avizinha, não só no Instagram, mas nas redes sociais em geral?

Imagem via Instagram

O primeiro sinal desta mudança aconteceu em maio, no Canadá, onde a partir desse mês os canadianos notaram uma “pequena” mudança na aplicação. Em vez de aparecer o número normal de pessoas que gostaram do post, passou a ver-se a frase “gostado por X e outros” – continua a ser possível saber exatamente quantos likes um post tem, mas requer uma dolorosa contagem manual.

Porém, o assunto ficou mais sério e ganhou maior atenção mediática quando, em Julho, este teste foi expandido para mais seis países – Irlanda, Itália, Japão, Brasil, Austrália e Nova Zelândia.

Por fim, agora em setembro, Jane Manchun Wong, especialista em engenharia invertida e responsável por desvendar segredos escondidos no código de algumas empresas na internet, apresentou-nos a sua mais recente descoberta. Eis que Facebook começou a desenvolver a mesma ideia do Instagram, o que parece confirmar que os resultados dos testes feitos ao longo do ano apresentaram resultados promissores. A possibilidade da ideia ser para avançar, de forma definitiva e à escala mundial, aumenta.

Imagem via Jane Manchun Wong (@wongmjane)

Antes de tentarmos perceber os “porquês” desta medida, torna-se interessante refletir sobre as possíveis consequências destas mudanças…

O Facebook e o Instagram são dos principais players na internet (e pertencem à mesma empresa, relembre-se) e são onde as pessoas passam a maior parte do seu tempo online. Ou seja, da mesma forma que os likes, comments e shares são hoje a norma – porque em tempos alguém testou estas ideias e, como deram resultados positivos, tornaram-se a norma –, será que o inverso – a perda de algumas dessas características – pode vir a acontecer num futuro e espalhar-se por toda a internet, mudando a forma como interagimos nas redes sociais e não só?!

A opinião de um especialista

Paulo Faustino (foto DR)

De forma a percebermos melhor o impacto que esta medida pode ter se chegar a tornar-se a norma mundial, o Shifter recorreu à ajuda de Paulo Faustino, especialista em marketing digital e autor do livro Marketing Digital Na Prática, que se mostrou disponível para dar o seu contributo. 

Qual a sua opinião sobre esta medida?

Sinceramente, acho que a medida faz todo o sentido. Com o fim dos likes, a qualidade do conteúdo passa a ser o centro de tudo o que acontece no Instagram. Ao contrário do que acontecia com o “efeito rebanho” gerado pelos likes nas publicações, agora as pessoas poderão concentrar a sua atenção naquilo que realmente importa: a qualidade do conteúdo.

Que benefícios/prejuízos acha que daqui podem surgir para a comunidade?

Na realidade só vejo benefícios e o principal deles é o foco no contexto e qualidade do conteúdo. Depois vejo um outro benefício que é a menor dependência dos produtores pelo número de likes nas publicações. Neurologicamente está comprovado que isso pode criar uma adição bastante prejudicial a quem produz e publica conteúdo, utilizando o número de likes como métrica para o sucesso na rede. Existem inúmeros jovens que fazem a sua vida depender da quantidade de likes das suas publicações. Essa é a métrica que define o quão sociais e populares são para os seus pares e isso não necessariamente é uma coisa positiva.

Como poderão os influenciadores tirar partido destas alterações e beneficiar com elas?

Os influenciadores passarão a vender aquilo que mais importa: interação. O nível de interação com as publicações é infinitamente mais importante que o número de seguidores. Se uma publicação tem muitos comentários, ela demonstra que existe um sentido de comunidade forte em torno das opiniões daquele influenciador e isso é aquilo que realmente interessa às marcas. Dados como comentários, partilhas e publicações salvas, passarão a ser métricas bem mais importantes daqui para a frente e isso parece-me bastante positivo, uma vez que essas métricas são bem mais valiosas do que o número de likes.

Se considerarmos que o like é uma ação extremamente simples de executar e que revela um nível de comprometimento muito baixo com o conteúdo, as restantes métricas que falei anteriormente, já não são assim. Elas exigem um envolvimento maior com o conteúdo e consequentemente, um melhor resultado para uma marca que deseja trabalhar com um influenciador e vice-versa.

Pode isto ser o início de uma série de mudanças que vão alterar as redes sociais como as conhecemos hoje?

Acredito que existe hoje no Facebook uma consciência do efeito das redes sociais no comportamento e adição das pessoas, especialmente se considerarmos a libertação de dopamina no cérebro e o quão isso pode ser prejudicial a longo prazo para quem usa as redes. Especialmente as pessoas que não têm consciência do quão adictas são e do porquê de isso acontecer. Mas se tivermos em consideração que o Facebook é uma empresa cotada em bolsa e com objetivos financeiros extremamente exigentes, sinceramente, não sei qual o futuro que nos reserva. Ainda assim, quero acreditar que as mudanças que venham a acontecer, são centradas nos utilizadores e na sua utilização consciente das redes. Veremos o que acontece!

O bom

A procura de aprovação e status, comparação com terceiros e constante procura de momentos para partilhar fazem com que daí possam surgir graves problemas de saúde como: baixa autoestima, infelicidade, doença e depressão.

De acordo com um relatório lançado pela Royal Society for Public Health, as redes sociais estão diretamente ligadas ao aumento de cinco aspetos negativos na nossa sociedade:

  1. Ansiedade e depressão 
  2. Qualidade de sono
  3. Imagem corporal
  4. Cyberbullying
  5. Fear of Missing Out (FOMO)
Foto de Marc Schaefer via Unsplash

Face estes dados, o Instagram procura assumir uma posição activa na ajuda e resolução dos mesmos. Por exemplo, em 2016, o seu cofundador Kevin Systrom revelou ao TechCrunch que uma das principais razões por detrás da criação das Instagram Stories foi a tentativa de desviar a pressão da contagem de likes – mas e a contagem de views que surgiu com as Stories?

Sobre estas recentes mudanças, a filial do Facebook escreveu na sua conta Twitter que queremos que os teus amigos se foquem nas fotos e vídeos que partilhas, e não em quantos likes têm. Ainda podes ver os teus likes clicando na lista de pessoas que gostaram, mas os teus amigos não vão poder ver o número de likes que o teu post tem”. No mesmo tweet, acrescenta ainda que “estamos ansiosos para saber mais sobre como esta mudança pode beneficiar a experiência de todos no Instagram”.

Se esta medida for para a frente, pode trazer consigo um efeito secundário extra, onde todos ficamos a ganhar – qualidade do conteúdo.

Já alguma vez fizeste like num post de uma página muito conhecida e nem sequer gostaste assim tanto daquilo que viste? Provavelmente já! É muito mais fácil clicares “gosto” numa foto que já recebeu milhares de outras pessoas do que numa que não tem nenhum (apesar de em termos de qualidade a segunda poder ser melhor).

Foto de Georgia de Lotz via Unsplash

Um pouco ao estilo de “os ricos ficam cada vez mais ricos”, nas redes sociais quem tem muitos “gostos” ganha cada vez mais “gostos” – ou ganhava.

A partir do momento em que já não saibamos se determinado post tem 10 gostos ou um milhão, teoricamente passamos apenas a clicar “gosto” quando realmente assim o achamos, o que obriga todos os utilizadores, mesmo aqueles com milhares de seguidores, a ser mais cuidadosos no tipo de conteúdo que partilham e na forma como gerem as suas redes sociais. Resultado? Melhor qualidade do produto final.

O mau

Esta iniciativa teve o consenso da internet e, até agora, todas as opiniões sobre a mesma foram positivas (se leste esta frase sem pestanejar/questionar é sinal que estás desatento e gostava de chamar a tua atenção de volta para o artigo).

Como seria de esperar, as opiniões sobre o assunto dão para todos os gostos e são bastante diversas. Por um lado, temos quem defenda a ideia pelos motivos já mencionados neste artigo. Por outro, temos os que criticam o Instagram por esconder os likes, uma vez que a contagem de gostos nos seus posts são a principal métrica para definirem o seu valor enquanto influencer, chegando a dizer que esta medida é uma forma de a plataforma trazer para si uma grande fatia do dinheiro que as empresas gastavam com os influencers, obrigando estes a reinvestir parte do dinheiro em anúncios para se autopromoverem e terem de volta o buzz de outros tempos.

Foto de Kate Torline via Unsplash

Mikaela Testa é uma influencer australiana que se tornou viral depois de lançar um vídeo, no qual desabafa sobre a situação, dizendo que, “apesar do que possam pensar, o Instagram é um trabalho REAL e os que estão na industria trabalharam bastante para chegar onde estão”, acrescentando que “são as pessoas que nem sequer estão na industria que pensam que é uma p*ta de brincadeira. Não é, existem consequências reais. Eu pus o meu sangue, suor e lágrimas nisto para me ser roubado, não sou só eu a sofrer também, são todas as marcas e negócios que eu conheço”. 

A verdade é que ser influencer deixou de ser um sonho alcançável apenas por superestrelas e tornou-se uma realidade para muita gente em 2019 e esta medida vai ter um grande impacto naquela que é a profissão destas pessoas. Ou seja, não podemos descartar a sua opinião apenas porque são “meninos que não sabem o que é trabalho”, quando ser influencer é um trabalho hoje em dia.

O vilão

O outro lado da mesma moeda. Nesta hipótese, temos uma mega-empresa de tecnologia que utiliza um aparente bom motivo – responsável e amigo da comunidade – para alcançar o seu verdadeiro objetivo: a procura cega em acumular fortunas com dados pessoais e viciar ainda mais os seus utilizadores.

Imagem via USA Network

Sem querer alimentar nenhuma teoria da conspiração, esta teoria merece alguma consideração e análise dos três motivos para esta alteração:

  1. Aumentar o tempo gasto na plataforma: com a perda do número de likes, existe uma métrica a menos onde se perde tempo de análise e podemos focar mais no conteúdo e na contemplação do mesmo, o que leva a mais tempo gasto dentro da plataforma – mesmo que sejam poucos segundos de diferença, a longo prazo são horas a mais passadas na aplicação.
  2. A desvalorização do like: tem sido normal as pessoas fazerem like em todos os posts que vêem – como forma de mostrar apoio ou procura da retribuição. Uma vez que somos menos cautelosos sobre aquilo em que clicamos gosto, estamos também a revelar menos informação pessoal sobre os nossos verdadeiros gostos e interesses. Sendo que a maior fonte de receita destas empresas passa pela recolha de dados pessoais existe, neste momento, uma desvalorização naquilo que um like diz sobre mim. Com esta medida, espera-se que os comentários ganhem uma nova força e passem a representar um papel mais relevante, o que, em última análise, é a forma mais pessoal e mais reveladora de quem eu sou que pode existir nas redes sociais.
  3. Menos ansiedade = mais conteúdo: é comum conteúdo ser apagado porque tem poucos likes, ou as pessoas colocarem uma foto e, ao fim de 10/15 minutos, se o resultado (likes) for insatisfatório, essa foto é apagada. Com a perda de likes, essa pressão deixa de existir e os utilizadores deixam de apagar o que colocam no seu perfil, passando a haver mais conteúdo que em última análise leva a motivos para passar mais tempo online.

Ponto final: o que muda?

Independentemente dos verdadeiros motivos por detrás destas alterações, é o utilizador final – todos nós – que fica a ganhar. Menos pressão e ansiedade e maior foco no conteúdo em si do que em dados estatísticos. Quanto aos influenciadores, passa existir uma oportunidade para se destacarem, criando valor para a sua comunidade. Claro que as regras mudarem de forma tão drástica pode ser frustrante, mas são aqueles que melhor se adaptarem e moldarem o seu trabalho a este “novo jogo” que ganham a vantagem e acabam por se destacar. 

Citando Paulo Faustino “…. com o fim dos likes, a qualidade do conteúdo passa a ser o centro de tudo o que acontece no Instagram. Ao contrário do que acontecia com o ‘efeito rebanho’ gerado pelos likes nas publicações, agora as pessoas poderão concentrar a sua atenção naquilo que realmente importa: a qualidade do conteúdo”.

A grande questão está em saber se e quando esta medida passa a ser a nova norma mundial. Para isso não temos resposta mas ficaremos atentos às cenas dos próximos episódios.

Índice

  • Marco Cotas

    Nascido e criado em Coimbra, onde se encontra a estudar Marketing e Negócios Internacionais. Apaixonou-se pela escrita, é amante de cafés e tem um relacionamento sério com a literatura. Escritor favorito: Ernst Hemingway. Livro favorito: Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski.

Subscreve a newsletter e acompanha o que publicamos.

Eu concordo com os Termos & Condições *

Apoia o jornalismo e a reflexão a partir de 2€ e ajuda-nos a manter livres de publicidade e paywall.

Bem-vind@ ao novo site do Shifter! Esta é uma versão beta em que ainda estamos a fazer alguns ajustes.Partilha a tua opinião enviando email para comunidade@shifter.pt