Depois de quatro edições repartidas entre os Jardins de Oeiras e o icónico Panorama de Monsanto, o Festival Iminente já se tornou mais do que num simples festival de música numa espécie de ritual de celebração anual das sub-culturas que orbitam a cidade de Lisboa. Por quatro dias apenas alinham-se várias dezenas de músicos, que numa seleção única e surpreendente face à programação anual e habitual da capital, vira Lisboa do avesso entregando o centro a quem habitualmente se fica pelas periferias.
O Iminente é organizado por várias das marcas do universo do artista Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils – como a galeria Underdogs, a agência criativa Solid Dogma ou a produtora Iminente, criada especificamente para o evento e que já o levou para fora de portas –, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa. O festival promove a ocupação de um dos mais emblemáticos símbolos da cidade durante quatro dias por parte das culturas periféricas da cidade. Graffiti e outras formas de arte urbana, breakdance e rap são os ingredientes principais de um festival que tem o hip hop como prato principal, mas procura dar alternativas para todos os gostos num esforço por representar o tecido social eclético e diverso de Lisboa.
Com um megalómano restaurante agora devoluto como pano de fundo, o Iminente propõe-se a noites de animação, convívio e, de certo modo, celebração do trabalho que artistas vão fazendo na sombra do mainstream, mas predispõe-se igualmente para uma leitura mais ampla sobre as narrativas que vão moldando as cidades – não fosse o Iminente co-organizado pela Câmara Municipal de Lisboa.
Sobre o alinhamento musical pouco há a dizer. O cartaz estava bem recheado e a curadoria repartida entre Vhils, Versus e It’s a Trap levou a palco alguns dos projectos que mais se destacaram este ano, como Mayra Andrade, Classe Crua, David Bruno (dB) ou Julinho KSD,+; nomes lendários da cultura hip hop, como Common, Large Professor ou Jay Electronica; e jovens projectos em fase de consolidação dos seus percursos, como Papillon, L-Ali, Mynda Guevara. Nesse prisma, o Iminente não desapontou e as escolhas proporcionaram quatro noites animadas, mesmo nos dias que poderiam ser menos convidativos (como no sábado em que a chuva torrencial debelava as expectativas dos hesitantes). O ritmo foi sem parar… e as transições entre as diversas sonoridades completamente sem espinhas, num ambiente fortemente pontuado pela cultura urbana.
Na zona central do festival, com beats de fundo, o parque de skate à direita, um carro da Seat amplamente iluminado à esquerda e o Panorâmico a preencher o horizonte, o Festival Iminente revelava-se como uma espécie de miragem; contudo, se tudo aquilo que víamos parecia reflectir a cidade de Lisboa, o reflexo era surpreendentemente pouco familiar. Como se os personagens que conhecemos e que na nossa mente habitam a cultura urbana, estivessem todos posicionados numa espécie de local encenado vedado 361 dias por ano; o Iminente surpreende por nos mostrar como tudo pode conviver, mas desilude ao relembrar-nos que no dia-a-dia essa convivência pouco existe, muito menos com conivência institucional e num dos sítios mais bonitos da capital.
A opulência do edifício devoluto outrora dedicado ao lazer de luxo, subvertida pela expressão de liberdade de artistas de várias áreas da cultura urbana, é uma apaixonante metáfora que nos recorda espaços como o parque Cassiopeia, em Berlim; contudo, a imagem que fica é a da espécie de uma miragem face à sensação de que faria falta algo deste género, e com este espírito, numa Lisboa que anda em sentido inverso e onde parece que a cada semana se sabe de mais um caso em que o capital do mercado turístico pressiona as pessoas que dão vida à cultura da cidade.
Se a Lisboa multicultural, tanto do português como do criolo, envolve e aproxima pessoas de diferentes proveniências e gerações; se a arte urbana espontânea e livre dos que foram convidados acrescenta um colorido e promove a reflexão; a verdade é que tudo isso se passa e se fica em apenas quatro dias. Apesar de ser notório um esforço dos espaços diversão nocturnos ou de galerias como a Underdogs para oferecer à cidade uma programação diferente, a toada institucional é em sentido contrário. Tome-se como o exemplo o espaço em que decorre o festival devoluto desde 2001, que por esta altura recebe graffitis dos artistas convidados e que dias após a sua abertura como Miradouro fechava para… limpeza dos graffitis que por lá surgiram espontaneamente ao longo dos anos.
Assim, se o Iminente enquanto experiência imersiva e de intercepção das culturas suburbanas que se destacam em Lisboa é uma experiência louvável, a verdade é que passados esses quatros dias fica a sensação de que tudo não passou de uma miragem, oferecida pela cidade em jeito de compensação. Os artistas urbanos vão continuar à espera de comissões para que possam pintar livremente, os rappers das periferias vão continuar a lutar por um spot que lhes abra as portas e uma menção na agenda mensal do município, e o magistral edifício vai voltar a servir apenas para contemplar Lisboa de um ponto de vista único. Provavelmente quem lá passou num destes quatro dias conseguirá ver no horizonte a miragem que o festival projectou.
Algumas fotos do Iminente
Pela Teresa Lopes da Silva
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