Sudão, o massacre que não passará na televisão

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Sudão, o massacre que não passará na televisão

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Para impedir que os manifestantes fizessem circular a mensagem o aparelho de poder sudanês desligou a internet de todo o país durante pelo menos uma semana, o que dificultou ainda mais a comunicação com o exterior e a divulgação de notícias.

Não faz headlines de jornais, pouco se fala nas televisões, mas pelo que se vai sabendo pelas redes sociais e media internacionais, o Sudão atravessa uma das fases mais conturbadas da história do país. Directamente do país pouco se consegue saber, graças a um bloqueio absoluto das comunicações, à difícil entrada de jornalistas no país e à perseguição aos que lá residem. Ainda assim, os corpos que se encontram ao longo do rio Nilo são prova material mais do que suficiente de uma realidade que muitos sudaneses, alguns deles a viver na América, vão reportando por meios próprios.

Ao todo, fala-se em mais de 120 mortos na cidade de Khartoum mas o sofrimento dos populares sudaneses não se fica por aí, entre os relatos que chegam enviados por jornalistas locais denuncia-se a utilização de outras formas de perseguição, tortura e humilhação àqueles que se manifestam contra o regime de transição militar.

Tudo começou há algum tempo com manifestantes pro-democracia a exigir a deposição do Presidente, no poder há mais de 30 anos, Omar al-Bashir. A 11 de Abril, essa deposição aconteceu por via de um gole de estado militar e Omar al-Bashir acabou mesmo por ser condenado à prisão — já em 2010, al-Bashir tinha sido acusado pelos tribunais internacionais de ter promovido o genocídio no Darfur, na zona Oeste do país. Instalou-se então no poder um regime de transição militar.

Depois de menos de 2 meses de conversas entre alguns dos líderes dos manifestantes pro-democracia e os responsáveis pelo aparelho militar na posição de poder sobre como se escolheria a sucessão de al-Bashir, foi a 3 de Junho que os diálogos cessaram e, alegadamente, a força bruta entrou em acção. Segundo reporta a Al-Jaazera — que entretanto viu os seus escritórios no local fechados — foi um dos momentos mais violentos da história recente daquele país africano.

Face à inércia do Conselho de Transição e à escalada de violência, os manifestantes anunciaram no princípio dos protestos uma campanha de desobediência civil em que pediam a quem apoiasse a causa que ficasse em casa e não se deslocasse nem para o trabalho, provocando uma quebra nos serviços, especialmente na cidade de Khartoum — cidade com mais de 8 milhões de habitantes. Para impedir que os manifestantes fizessem circular a mensagem o aparelho de poder sudanês desligou a internet de todo o país durante pelo menos uma semana, o que dificultou ainda mais a comunicação com o exterior e a divulgação de notícias.

Foram personalidades como Oddisse, o rapper sudanês a viver na América, quem insistiu para que a comunidade internacional ficasse atenta ao que no Sudão se iam passando, até que o assunto chegou a altas esferas políticas como a ONU, que no dia de ontem reconheceu e alertou para a gravidade das agressões a protestantes naquele país.

A juntar ao conflito nacional existem, como sempre, interesses internacionais circundantes que tornam a história ainda mais interessante. De um lado estão os governos de países africanos, com uma tendência para a democratização, que apoiam os manifestantes. Do outro está a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, que rejeitam quase sempre movimentos populares naquela zona da região, como neste caso. Assim, Sauditas e Emiratis têm sido dos principais apoiantes do Conselho Militar no poder, fornecendo-lhe ajuda militar e financeira necessária à sua permanência — fala-se numa linha de crédito de 3 mil milhões de dólares cedida pelos Emirados ao regime sudanês.

Na passada quarta-feira, o conselho de transição militar sugeriu a re-abertura do diálogo mas desta vez foram os manifestantes a rejeitar, por considerarem que primeiro deve ser feita justiça pelos que até agora morreram nos ataques perpetrados. Uma vez que o caso já acolheu atenção internacional — EUA, UE e RU condenaram publicamente a actuação do governo sudanês — espera-se agora que a comunidade internacional possa criar espaço para um diálogo mediado que venha a pôr termo à situação violenta no país. A Etiópia tem sido o país mais activo neste papel, na figura do primeiro ministro Abiy Ahmed, que ainda na semana passada visitou a cidade de Khartoum e apelou às duas partes que retomassem o diálogo.

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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