O youtuber que criou uma tempestade política na Alemanha

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O youtuber que criou uma tempestade política na Alemanha

Dizem o clichês que os jovens não querem saber de política e que os youtubers só falam de futilidades. Mas há excepções.

Dizem o clichês que os jovens não querem saber de política e que os youtubers só falam de futilidades. É raro ouvirmos falar de um vídeo com impacto político ou que se falando de política se torne viral. Excepção feita ao Brasil, país onde o YouTube se tornou num autêntico campo de discussão política por altura das últimas eleições, com o surgimento de personalidades como Mamãe Falei e a politização mais notória de outros como PC Siqueira, e da eterna discussão sobre youtubers da famosa alt-right a propagar discursos anti-semitas ou misóginos.

Rezo, um youtuber alemão, conhecido pela sua franja colorida de azul, dispôs-se a ser também uma excepção e o seu último vídeo, “Die Zerstörung der CDU”, incomodou até os mais altos cargos da CDU, partido alemão de Angela Merkel.

Rezo é um jovem de 26 anos com cerca de 600 mil seguidores no seu canal de YouTube onde habitualmente fala sobre produção musical. Contudo, uma semana antes das eleições europeias, decidiu dedicar 55 minutos  a criticar duramente o partido no Governo alemão, a CDU, bem como os seus coligados, os sociais democratas. Desde então, 18 de Maio, as visualizações não têm parado de subir, estando por esta altura na casa dos 13 milhões – mais 10 milhões de visualizações que qualquer um dos seus outros vídeos.

O que diz?

O caso é peculiar e dá que falar por vários factores. Primeiro, como já dissemos, é raro que um jovem youtuber se dedique a um tema político, sobretudo de política nacional — em Portugal tivemos uma pequena amostra do fenómeno com o famoso vídeo do Wuant a mostrar-nos indelevelmente a sua capacidade de influenciar os mais novos. Segundo, porque é raro que um vídeo deste tipo e com a duração muito acima da média de 55 minutos se torne viral; se passarmos os olhos pela lista das trends no YouTube alemão percebemo-lo bem — o vídeo de Rezo invadiu uma tabela povoada por música, cenas de programas de TV, conteúdos sobre futebol e os típicos vídeos de YouTube.

Em terceiro, pelo seu próprio conteúdo. Se há coisa que se nota no vídeo é que o video foi preparado com tempo e uma pesquisa exaustiva e que Rezo sente o que diz; Rezo começa mesmo por fazer essas duas notas, relevando que o vídeo é um desabafo pessoal, resultado de semanas de conversas e pesquisas sobre a União Democrática Cristã (CDU) e o seu partido-irmão, a União Social Cristã da Baviera (CSU). A partir daí, segue para o tom profético e sensacionalista, também típico da plataforma, dizendo estar em condições de relevar a verdade sobre o partido, justificando o título que em português se traduz para “A Destruição da CDU”.

Rezo acusa o partido de Angela Merkel de mentira, incompetência e desumanidade; critica-os por inacção sobre o importante tópico da crise climática, de cumplicidade em crimes de guerra e por outros assuntos de política nacional e europeia relacionados, por exemplo, com propriedade intelectual. Em suma, Rezo propõe-se a provar que a CDU representa um retrocesso para a vida dos alemães e não o faz de forma superficial (embora seja sensacionalista), para credibilizar e substanciar o seu discurso recorreu a 247 referências e citações de literatura científica.

As reacções

Depois do vídeo, seguiram-se as respostas que vieram de todos os quadrantes; do lado do partido de Merkel, ouviram-se críticas à simplificação dos factos e ao sensacionalismo do discurso. A sucessora da chanceler alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer, utilizou a ironia acusando Rezo de “nonsense” e dizendo que se perguntou a si própria se a CDU não seria também responsável pelas pragas no Egipto Antigo, uma vez que neste vídeo era acusada de tudo.

Já o Secretário-Geral do partido, Paul Ziemiak, foi mais pedagógico, se assim se pode dizer, referindo que Rezo está a fazer uso da sua liberdade de expressão e sublinhando apenas que o seu vídeo não se trata de jornalismo, e que já havia demasiado populismo nas redes sociais. Por outro lado, Thomas Jarzombek, também ele membro da CDU, teve uma reacção diferente, escrevendo no seu Twitter que o vídeo do youtuber prova que se tem falado “demasiado sobre refugiados e muito pouco sobre política climática”.

Para o Rezo que não respondeu directamente a nenhuma das críticas, nenhuma das reacções da esfera política foi surpreendente; de resto, no seu vídeo o youtuber já tinha deixado uma espécie de mensagem para os políticos: “Disseram que os jovens deviam ser políticos, então têm de aguentar quando eles acham que as vossas políticas são uma merda.”

Do mundo da política alemã, apenas um membro dos Verdes, Sven Kindler, apoiou Rezo ao dizer que “acertou em cheio em alguns pontos”, apesar de ir longe demais noutros.

Na ressaca do vídeo de Rezo, a discussão política tornou-se ainda mais efervescente e numa nova plataforma para o efeito, o YouTube. Passado alguns dias, uma série de estrelas do YouTube alemão juntaram-se para num vídeo conjunto apelarem ao voto nas eleições europeias e desincentivarem o voto na CDU, SPD e AfD (partido a que Rezo chama abertamente Nazi).

Os jovens, a política e a internet

No geral, as opiniões dividem-se sobre se a participação política activa dos jovens, em formatos como este, é positiva ou negativa para a saúde democrática, uma vez que o conteúdo do vídeo não está ao abrigo de qualquer regulação. Certo é que Rezo conseguiu, como poucos — e como Wuant já tinha feito —, colocar assuntos do circuito restrito da política no centro da popularidade da internet, amplificando um importante debate.

Numa entrevista dias depois da publicação do vídeo ao site Bento, o youtuber revelou que já tem mais ideias para vídeos sobre política e que é capaz de seguir ocasionalmente esse caminho. Portanto, se os seus efeitos serão os mesmos que, por exemplo, no Brasil – em que a media tradicional viu a sua credibilidade severamente atacada ou se, pelo contrário, o resultado é uma discussão dentro dos parâmetros democráticos instituídos e sem posições antagónicas e ofensivas –, só o tempo nos revelará.

A resposta dos políticos visados ao vídeo e o convite que mais tarde lhe chegara para uma reunião com o partido podem ser sinais de que a condução e a reacção certa todos os formatos são válidos para se discutir política e alargar o conceito de democracia.

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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