Festival Mêda+ termina com prejuízos e desilusão com a autarquia

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Festival Mêda+ termina com prejuízos e desilusão com a autarquia

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A Associação Mêda Mais diz não ter conseguido apoios públicos ou patrocínios para colmatar os prejuízos de 2018. Pedro Rebelo Pereira, membro da associação, diz que “deixarem-nos a mãos com uma dívida é uma estratégia pensada, para nos atribuírem uma culpa que devemos carregar”.

A história do Mêda+ é a história de um festival de Verão erguido por um grupo de 20 jovens num concelho pouco conhecido no interior do país, de onde são originários. É uma história que arrancou em 2010 mas que, soube-se esta quinta-feira, terminou no ano passado, na sua 9ª edição. Pela primeira vez, a Associação Mêda Mais, organizadora do festival, “não conseguiu cumprir os pagamentos a todos os fornecedores” e, por isso, “o Mêda + chegou ao fim”, lê-se no comunicado divulgado.

“Foram quase 10 anos a tornar possível o impossível: organizar um festival de Verão com o melhor da música alternativa portuguesa num concelho cada vez mais despovoado do interior do país”, destaca a associação na mesma nota, publicada no Facebook do festival. “Valorizámos a região, pusemos a Mêda no mapa e trouxemos milhares de pessoas de todo o país para conhecer a nossa terra. Foi sempre mais do que um festival de Verão: foi uma ideia de emancipação cultural, erguida voluntariamente por um grupo de jovens nos intervalos das aulas e do trabalho.”

PSD e CDS inviabilizam apoio ao festival

A Associação Mêda Mais diz não ter conseguido apoios públicos ou patrocínios para colmatar os prejuízos de 2018 e dar continuidade ao festival, pedindo agora, “como último recurso”, o apoio público através de uma campanha de recolha de donativos pelo IBAN PT50 0035 0453 0001 4169 8300 8.

De acordo com o site Espalha Factos, esteve em cima da mesa, em Novembro do ano passado, um apoio extraordinário do município de Mêda à associação, que permitiria regularizar as contas e garantir a edição de 2019. Contudo, esse apoio não foi viabilizado pelos vereadores do PSD e CDS na Câmara Municipal de Mêda, governada pelo PS sem maioria no executivo. Citado pela mesma publicação, Aurélio Saldanha, do CDS, apontou o apoio à iniciativa cultural, que nos últimos anos levou milhares de pessoas ao concelho, como “irresponsabilidade na gestão de dinheiros públicos.

Mas o dinheiro – ou a falta dele – não terão sido as únicas causas do agora conhecido destino do Mêda+, pelo menos de acordo com um dos membros da Associação Mêda Mais.

Incompatibilidades com a Câmara e a Igreja

Através da sua conta no Twitter e falando em nome pessoal, Pedro Rebelo Pereira, membro da associação desde o primeiro dia, partilhou que “se o Mêda+ não acabasse este ano (…), ia acabar mais cedo ou mais tarde, as ideias que nos queriam impingir eram terríveis”. Pedro acusa a autarquia de Mêda de querer tentado interferir nas decisões da associação e controlar o festival. “Nos últimos anos, a Câmara começou a querer interferir na gestão da Associação, começando a condicionar a escolha de bandas e, mais recentemente, a querer estar presente em reuniões internas da Associação”, escreveu.

“O Mêda+ tornou-se o maior activo do concelho (…). Deixarem-nos a mãos com uma dívida é uma estratégia pensada, para nos atribuírem uma culpa que devemos carregar.” Ao Shifter, Pedro esclarece que não encontraram vontade e abertura por parte da Câmara para encontrar alternativas e apoio “que precisavam de influência institucional do município”“Pedimos para nos ajudarem a entrar em contacto com o Presidente do Turismo do Centro, que era conhecido do Presidente da Câmara e nunca tivemos feedback sobre isso. Procurámos apoio para informações sobre fundos europeus para projectos culturais ou para a valorização territorial e também nunca houve vontade de trabalhar nisso connosco. Os únicos esforços que conhecemos foi a tentativa de um patrocínio de uma marca grande recentemente, por causa desta iminência de o festival acabar.”

Uma explicação avançada por Pedro para a quebra das receitas em 2018 é a decisão da autarquia de cobrar a entrada no parque de campismo, anunciado nos cartazes do Mêda+ como gratuito desde a primeira edição, tendo comunicado essa decisão a menos de uma semana do Mêda+. “Não somos contra isso, mas fomos contra o timing em que foi decidido. Tivemos de dar essa notícia às pessoas e tivemos pela primeira vez uma onda de comentários negativos por uma decisão que nem era nossa. O número de pessoas registadas no Parque de Campismo desceu de mais de 1000 para cerca de 400.”

Numa extensa thread no Twitter, Pedro apontou outros conflitos, como com a Igreja, que “há anos” os “chateava por organizarmos o festival num sítio ‘sagrado’”. “Era uma vergonha termos lá bandas como Diabo na Cruz, mas ninguém se indignava com os bailaricos pimba ‘bonito bonito são os tomates a bater no pito’ em dias de procissão e outros eventos católicos”, escreveu, referindo-se ao recinto da Santa Cruz onde anualmente, e com o apoio da Igreja, é organizada uma festa popular com o mesmo nome; Pedro diz que com um dos dois palcos do Mêda+ nesse local, ao invés de num sítio isolado, se contribuía para “dinamizar a economia local e dar a conhecer o nosso património – ter vida na cidade”.

Um festival montado praticamente sozinhos

De resto, Pedro descreve no Twitter como foi montar um festival quase sozinhos. Eram cerca de duas dezenas de pessoas no início da Associação Mêda Mais em 2010; com saídas e entradas de novos membros, hoje contam-se três dezenas num grupo de trabalho que mantém no Facebook.

“Demos a conhecer e apoiámos centenas de bandas portuguesas, muitas delas enchem hoje os palcos principais dos maiores festivais do país. Montávamos as grades, limpávamos os camarins, vendíamos cerveja, escrevíamos press releases, negociávamos bandas à exaustão, gravávamos vídeos promocionais. Foi sempre um festival feito à mão por malta da Mêda que não se conformava com o estado das coisas”, recorda. Tivemos gajos dos Miss Lava a ficar mais dias depois do concerto e a cozinhar num jantar da organização; íamos tomar pequenos-almoços todos bêbedos com as bandas; o Manuel Cruz andou a passar finos dos camarins para o público. Era realmente um festival especial.”

“Pusemos a Mêda nas notícias sem ser sobre incêndios. Aos poucos, chegámos à Antena 3, que nos deu a mão praticamente desde o início, e à RTP2, onde tivemos um spot televisivo em 2016”, bem como a uma série de publicações digitais, como o Shifter. Mas não encontraram sempre portas abertas. “Uma vez pedi ajuda na divulgação a uma pessoa da Blitz. Sugeriu-me os serviços de assessoria de comunicação da mulher, na casa dos milhares de euros. Disse-lhe que não porque queríamos usar esse dinheiro para contratar bandas. Resultado: em 10 anos, nem uma única notícia na Blitz.”

O festival Mêda+ levou à Mêda bancas como Diabo Na Cruz, The Poppers, Tara Perdida, X-Wife, The Doups, Fitacola, The Glockenwise, Mão Morta, Fonzie, Supernada, Miss Lava, Wraygunn, The Parkinsons, D’Alva, Moe’s Implosion, Sam Alone, Los Waves, Throes + The Shine, Capitão Fausto, Linda Martini, Paus, Salto, Orelha Negra, Best Youth, Mundo Cão, Samuel Úria, B Fachada, Moullinex, Sean Riley, You Can’t Win Charlie Brown e tantos outros. O Mêda+ foi, desde a primeira edição, de entrada gratuita.

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