Silêncio que se vai gravar o som de um Stradivarius

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Foto de Vohanna Vogt via Unsplash

Silêncio que se vai gravar o som de um Stradivarius

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A cidade italiana de Cremona está em modo silencioso enquanto decorrem as digitalizações do som de violinos únicos.

Cremona pode não ser a cidade mais conhecida de Itália mas é, com certeza, uma referência para aqueles que gostam de música clássica e, sobretudo, que valorizam a produção artesanal de um instrumento. Foi lá que nasceram alguns dos maiores criadores de instrumentos do mundo, incluindo Antonio Straviari, que entre os séculos XVII e XVIII criou peças que ficaram para a história com o seu nome próprio – Stradivarius.

Um Stradivarius é um instrumento que tenha sido comprovadamente feito por um elemento da família Stradivari, a que pertencia Antonio.

É em Cremona que se situa o Museo del Violino, um espaço dedicado à exibição e preservação de instrumentos de cordas feitos por este e por outros artesãos da altura, como Amati ou Guarneri del Gesù; e será nesse espaço que o som destas relíquias musicais será digitalizado pela primeira vez na história da humanidade, segundo conta o New York Times (NYT).

Leonardo Tedeschi um antigo DJ italiano foi quem deu a ideia. Como revelou ao NYT (que publica uma belíssima peça sobre o tema), o músico temia que os seus descendentes pudessem nunca conhecer o som destes instrumentos graças à digitalização crescente das formas de produção musical. Assim, lembrou-se que trazer o som destes instrumentos para o digital seria uma boa solução intermédia para os tornar imortais – ou pelo menos resistentes a mais uma geração.

Ruas fechadas para as gravações

A história até aqui é interessante mas normal, tornando-se caricata quando abordamos os pormenores da gravação e a minúcia com que tudo tem de ser preparado. Neste projecto serão registados sons de dois violinos, uma viola e um violoncelo, tocados por quatro músicos no auditório do museu e gravados por 32 microfones ultra-sensíveis estrategicamente dispostos. Contudo, para que isso aconteça com a qualidade pretendida, os esforços de coordenação vão muito para além do espaço do museu, espalhando-se pelas redondezas e condicionando toda a cidade. O presidente da câmara local, Gianluca Galimberti, fez mesmo um comunicado para que todos os munícipes evitem produzir sons desnecessários.

O orgulho da cidade em ser casa para estes instrumentos históricos promoveu a compreensão de todos face a este momento e o facto de o presidente da câmara ser presidente da fundação Stradivarius, detentora do museu e responsável pela iniciativa, facilitou ainda mais a logística. Durante pelo menos cinco semanas, o tempo em que decorrerão as gravações, as ruas adjacentes ao museu serão fechadas e o trânsito da cidade estará condicionado. Tudo porque a gravação de instrumentos deste calibre é feita com alta sensibilidade, podendo ser prejudicada por qualquer pequena vibração que aconteça ao redor. Dentro da sala de gravações até a ventilação e os elevadores estarão parados.

Um dos pormenores mais deliciosos de toda a reportagem do New York Times versa precisamente sobre isso. Segundo é escrito, a queda de um copo de vidro num café local foi o suficiente para se fazer notar na gravação, que está a ser religiosamente controlada pelo engenheiro de som Thomas Koritke.

O projecto pode parecer fácil mas exige um trabalho exaustivo e continuado. Para digitalizar o som de um instrumento os músicos terão de tocar todas as combinações possíveis e imaginárias; a ideia é que a partir deste trabalho e desta gravação o som do Stradivarius deixe de ser uma exclusividade daquele instrumento físico, um objecto de exposição, e possa ser escutado por tempo sem fim. Nunca será a mesma coisa do que a audição do som ao vivo mas com tamanha preparação e minúcia com certeza que a gravação lhe fará jus.

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