E se a Avenida da Liberdade e a Baixa lisboeta ficassem vedadas a carros?

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Foto de Martha Gouveia via Unsplash

E se a Avenida da Liberdade e a Baixa lisboeta ficassem vedadas a carros?

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Deputados municipais defendem encerramento ao trânsito e transformação da Baixa e Avenida da Liberdade "num espaço pedonal e ciclável".

Uma medida radical para um problema de vulto. Os eleitos da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) votaram, na tarde desta terça-feira (22 de Janeiro), uma recomendação em que se pede à Câmara da capital que estude a adopção de “medidas drásticas de redução do tráfego no Eixo Avenida da Liberdade/Baixa, nomeadamente o encerramento ao trânsito e a transformação da zona num espaço pedonal e ciclável”.

A proposta, apresentada pelo grupo de deputados independentes e que mereceu votos contra do PCP e do Partido Ecologista Os Verdes (PEV) e abstenções do CDS-PP, MPT e PPM, surge em resposta à recente denúncia, por parte da organização ecologista Zero, de que os valores limite de poluentes como o dióxido de azoto e partículas inaláveis têm sido ultrapassados sistematicamente. A maioria dos membros daquele órgão autárquico pede, por isso, à autarquia liderada por Fernando Medina (PS) não apenas o real cumprimento das limitações legais em vigor, fazendo uso da capacidade fiscalizadora da Polícia Municipal, mas também o seu endurecimento.

Partindo do referido comunicado da Zero, que, no passado 15 de Janeiro, denunciava a “sistemática ultrapassagem dos valores-limite de diversos poluentes no centro de Lisboa causada pelo tráfego rodoviário” e pedia a aplicação de “medidas com muito maior impacte e expressão, de forma a salvaguardar a saúde de quem vive e/ou trabalha” na maior cidade portuguesa, a recomendação adopta o essencial do caderno reivindicativo da associação ambientalista. A começar pelo reforço da fiscalização do cumprimento das limitações à circulação automóvel no centro da capital dos veículos mais poluentes, através da Zonas de Emissões Reduzidas (ZER), instituídas em 2011.

Desde a implementação da terceira fase das ZER, em Janeiro de 2015, teoricamente, é proibida a circulação de automóveis construídos antes de 2000 (norma Euro 3), na Zona 1, correspondente ao eixo da Avenida da Liberdade e da Baixa, e a dos fabricados antes de 1996 (Euro 2), na Zona 2, situada a Sul do eixo Avenida de Ceuta-Eixo Norte-Sul-Avenida das Forças Armadas-Avenida EUA-Avenida Marechal António Spínola-Avenida Infante Dom Henrique.

Tais restrições, no entanto, e num cenário implicitamente admitido por quase todos, revelam-se uma mera formalidade, não existindo registo conhecido recente de multas passadas aos incumpridores – um facto já salientando pel’O Corvo, num artigo publicado em Maio do ano passado. Uma situação que a Zero, e agora também os deputados municipais da capital, atribui à “falta de fiscalização”. Tanto que a maioria dos eleitos, incluindo a bancada socialista, pede agora à Câmara Municipal de Lisboa que “reforce a fiscalização pela Polícia Municipal do cumprimento das regras relativas às ZER” e, mais que isso, “actualize o grau de exigência das ZER, passando as Zonas 1 e 2 para as normas Euro 4 e Euro 3, respectivamente”. Na prática, tal significará que no Eixo Avenida da Liberdade e Baixa apenas passem a circular automóveis construídos após Janeiro de 2005 e no território da Zona 2 (Sul do eixo Avenida de Ceuta-Eixo Norte-Sul-Avenida das Forças Armadas-Avenida EUA-Avenida Marechal António Spínola-Avenida Infante Dom Henrique) apenas sejam permitidos carros feitos depois de Janeiro de 2000.

Essas medidas já eram, aliás, defendidas em Outubro de 2017, pelos especialistas responsáveis pela elaboração do “Plano de Melhoria da Qualidade do Ar da Região Lisboa e Vale do Tejo”, realizado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), aquando da sua apresentação pública. O problema é que, desde então, e volvido quase ano e meio, nada foi feito pela https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistração central para colocar em prática o referido instrumento de gestão ambiental, que tarda em sair da gaveta.

O plano deverá substituir o anterior, aprovado em 2005, mas apenas aprovado pelo Governo em 2008 e cujas medidas vigorariam até 2012. Ou seja, desde essa altura, verifica-se um vazio nesta matéria. Isso mesmo é salientado tanto pela recomendação dos deputados independentes, como por uma outra do Partido Popular Monárquico (PPM), apresentada também na sessão desta terça-feira, em ambas se pedindo à Câmara de Lisboa que pressione a CCDR-LVT para avançar com a conclusão do mencionado plano de melhoria da qualidade do ar.

A recomendação dos deputados independentes pede ainda à câmara que “reforce a política de mobilidade que tenha como objectivo uma redução geral do tráfego automóvel na cidade de Lisboa”, bem como “estude a implementação de um plano de contingência para a poluição atmosférica, à semelhança do que é feito por outras grandes cidades como Paris e Madrid, a ser activado nos momentos de maior poluição”.

Em todos os cinco pontos da recomendação, as únicas forças a votar contra foram o PCP e o PEV. A posição dos comunistas, que sempre se manifestaram contra a criação das ZER, foi explicada pela deputada Ana Páscoa com o argumento de que, mais que a imposição de limitações com base em valores de emissões poluentes, aquilo que deve ser combatido é o número de viaturas em circulação. A deputada municipal pôs mesmo em causa a quase unânime leitura dos dados relativos aos poluentes, relevados pela Zero.

“Os valores das partículas vieram consistentemente descendo. E, portanto, nem as médias nem os dias de ultrapassagem se encontram, de facto, acima dos limites”, afirmou a eleita do PCP, para quem o problema principal residente sobretudo no número de carros a circular. “Um dos problemas desta cidade é o do número de viaturas em circulação. Não serve de nada ter limites para as emissões, se o número de viaturas aumentar. Além disso, temos hoje viaturas de maior potência, o que anula qualquer efeito que a restrição de poluentes possa ter”, afirmou. E acrescentou: “A solução tem, forçosamente, de passar por uma rede de transportes públicos que seja coerente e não um mero conjunto de linhas de conexão difícil e duvidosa. Propostas de solução que passem por portagens ou aumento de restrições que obriguem à aquisição de novas viaturas são totalmente inaceitáveis.”

Texto de Kátia Catulo

(Nota: este texto foi originalmente publicado n’O Corvo, jornal digital dedicado à cidade de Lisboa, tendo sido aqui reproduzido com a devida autorização.)

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