Toma conta da tua vida, não do teu telemóvel

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Foto de Bianca Castillo via Unsplash

Toma conta da tua vida, não do teu telemóvel

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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Defendo que a vida dos nossos dias é onlife: não há barreira entre o online e o offline. O trabalho, a diversão, a cultura, o descanso e a tomada de decisão acontece numa vida onde é difícil identificar os limites do online e do offline. Quanto a mim, isso pode ser gerido com consciência.

Era domingo e chovia. Tinha encontro marcado com o meu amigo Vieira, para assistirmos a uma palestra sobre neuro-ciência, redes sociais e distracções. Decidi ir a pé, do Martim Moniz até à Graça. Aproveitei a caminhada para ver as vistas, mesmo com a chuva a incomodar-me um bocadinho e, claro está, para recolher algumas fotografias para o Twitter ou Instagram. Normal, não é?

#SomosTodosPombos

Já se tornou norma isto de passear com smartphone em punho, de tirar fotografias ao que se vê, ao que se come, ao que se bebe. Partilhamos aqui e ali, na expectativa de recebermos um like ou um comentário. Partilhamos agora e daqui a cinco minutos vamos ver se já alguém gostou. As redes sociais dão-nos recompensas pela partilha, de forma aleatória, assim como Burrhus Frederic Skinner recompensava o pombo por picar num sítio, com comida.

O que nos leva a verificar as apps, no telefone, uma e outra vez? Na palestra que realizou em Lisboa, no passado dia 25 de Novembro, Anastasia Dedyukhina sublinhou o papel da dopamina na nossa relação com as apps, as notificações, os e-mails e afins. Os smartphones e as aplicações que usamos, diariamente, foram pensados para captar a nossa atenção, para nos fazer investir tempo, em troca do like, ou melhor do boost de dopamina.

Estamos condenados?

Não estamos condenados: temos, sim, de querer mudar. A procura constante da dopamina torna-nos dependentes do like, do comentário, do match, do super like, do retweet. Ainda assim, ninguém nos obriga verdadeiramente a seguir esse caminho: podemos escolher outro. Podemos desactivar as notificações das apps que temos no telefone. Aliás, podemos seleccionar as apps que mais nos distraem e eliminá-las. Sim, se apagarem o Facebook do vosso telefone, o Instagram vai recordar-vos diariamente que podem sempre voltar a conectar uma à outra. Lembrem-se que podem dizer não.

Passei por esta experiência há uns meses, quando estava a terminar a redacção da tese de mestrado e precisava muito de me focar na leitura e na escrita. Comecei por eliminar apps e também por deixar o telemóvel noutra divisão da casa. Quando fazia a pausa espreitava o Twitter e o Instagram, onde partilhava a evolução do meu texto.

Outra das recomendações da Anastasia passa por ter um despertador analógico. Confesso que era a minha desculpa para levar o telemóvel para o quarto: “ah e tal e depois como acordo a horas?”. Ah e gosto de adormecer com música (Spotify!). Pois bem, com um despertador analógico consigo ver as horas, ser despertada e ainda adormecer com música que alguém escolhe por mim, numa estação de rádio.

Multi-funções? Isso é coisa de impressora, não de pessoa humana

Criaram-se alguns hábitos que deixámos de questionar: trabalhar em open space é excelente para produzirmos e criarmos e blá blá. Outro: temos de fazer muitas coisas ao mesmo tempo e parecer sempre muito ocupados. Ora bem, trabalhar em open space é criar inúmeros momentos de distracção e de perda de foco na tarefa que estamos a desenvolver. Fazer muitas coisas ao mesmo tempo, com o e-mail a disparar mensagens, o Slack a avisar das notificações, o WhatsApp a apitar… – é bem capaz de ser insuportável. E de não promover um estado de criatividade, de atenção que nos permite poupar tempo nas tarefas e ficar satisfeitos (ou até surpreendidos) com o resultado.

Anastasia referiu ainda questões relacionadas com a memória: deixamos de treinar a memória, pois fazemos save algures ou procuramos rapidamente num motor de busca. Além disso estamos cada vez com mais dificuldades em atingir pontos de concentração máxima. Quando foi a última vez que leste um livro, de uma ponta à outra? Eu sei: aquela página do livro parece interminável, não é? E nem tem um link para eu clicar e… oops… lá me distraí de novo.

Onlife: a vida é On e por isso podes desligar(-te)

Defendo que a vida dos nossos dias é onlife: não há barreira entre o online e o offline. O trabalho, a diversão, a cultura, o descanso e a tomada de decisão acontece numa vida onde é difícil identificar os limites do online e do offline. Quanto a mim, isso pode ser gerido com consciência – e por este motivo fiquei fã do projecto da Anastasia, que promove, acima de tudo, espaço e tempo para que cada um de nós tome consciência do tempo que dedica às inúmeras tarefas que tem em mãos, bem como os espaços de diversão como as redes sociais.

Para aqueles que, como eu, trabalham com redes sociais e têm o e-mail como ferramenta de trabalho diária (e outras aplicações), o equilíbrio consegue-se gerindo o tempo, organizando as tarefas, definindo canais de comunicação e gerindo as expectativas dos outros, no que respeita aos tempos de resposta.

Ter um dia em que o telefone ou o computador são substituídos pela trela e pela coleira para ir passear os cães, no albergue onde sou voluntária – eis algo que me ajuda a renovar energia e a ter ideias. Nada como mudar de hábitos – largar uns e abraçar outros.

Encontrar o equilíbrio não é algo imediato e acaba por ser um processo desequilibrado. Lembra-te que andar implica desequilíbrio: quando levantas um pé e até o colocares no chão, estás em desequilíbrio. Claro que o outro pé faz o seu trabalho e não te deixa sentir desamparado. A verdade é que o desequilíbrio está presente na conquista do equilíbrio. O importante é começar a caminhar e não parar: podes, por exemplo, fazer pause e aproveitar para te dedicares à filosofia, mesmo que não sejas filósofo. E tantas outras coisas.

Ah, já me esquecia: o bloco de notas e o “late Instagram”

Durante a palestra a Anastasia pediu-nos para perceber quantas vezes sentíamos necessidade de verificar o telefone. No meu caso, uma vez que tinha papel e caneta à mão para tomar notas, não tive necessidade de mexer no telemóvel, que ficou naquele buraco negro onde perco o passe e as chaves de casa (entenda-se, na minha mala). Sabia que ia ter os slides no meu e-mail no dia seguinte.

Estava rodeada de pessoas com quem podia conversar. Não havia necessidade de aceder ao Twitter ou ao Instagram… durante a palestra. Quando acabou, fui fotografar dois ou três pontos da sala que queria registar no meu Instagram. E depois fiz uma meia dúzia de tweets sobre o assunto da palestra. Desiludi-te?

Lembra-te: o equilíbrio é uma tarefa diária. Escrever isto aqui também me ajuda a lembrar que é uma prática para todos os dias.

Índice

  • Joana Rita Sousa

    Joana Rita Sousa é filósofa. Trabalha na área da comunicação e da cultura digital. É formadora e consultora, bem como uma série de coisas que ficam melhor em inglês:  digital strategist, community manager, copywriter e ghostwriter. Em Dezembro de 2018 criou o #twitterchatpt - e a vida no twitter, em Portugal, nunca mais foi a mesma. Dizem que é um unicórnio de leads.

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