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Os Cambridge Analytica Files e a recente onda de revelações que assolou a internet durante os últimos três dias – embora possa ainda não ter chegado às massas menos atentas – poderá ditar uma enorme mudança na internet como a conhecemos.
Se é plausível dizermos que nada do que foi agora descrito e confirmado pelo whitsleblower Christopher Wylie é propriamente novidade, é igualmente plausível dizer que não se esperava que se pudesse vir a confirmar desta forma e a revelar ter esta escala – nem esta resposta por parte da gigante rede social, Facebook. No meio de tanta plausibilidade, algumas reações já se deram e outras se esperam no futuro. A perda de confiança no Facebook, essa, parece ser o único resultado previsível no futuro próximo.
Já se sabia há muito tempo
A primeira das questões que surgiram, dirigidas aos altos dirigentes do Facebook, debruçavam-se sobretudo sobre os timings da suspensão e da comunicação pública do sucedido. Entre quem levava esta questão, partilhavam-se links como uma da reportagem em Dezembro do ano passado feita pela MotherJones, que já indiciava parte do que se veio a confirmar. Para além disso, a própria nota do Facebook dava conta de que a empresa tinha conhecimento da situação desde 2014, reforçando a dúvida sobre porque só o denunciavam publicamente hoje.
A essa pergunta, testemunhos de jornalistas do The Observer e do The Guardian podem dar uma resposta. Segundo estes, a tecnológica norte-americana terá ameaçado os jornais com processos em tribunal caso publicassem as peças que tinham preparado. Subentende-se, assim, que o timing da revelação do Facebook deverá ter sobretudo a ver com o facto de saberem que o assunto estava prestes a tornar-se do conhecimento público.
It's a shame Facebook as a whole didn't do a better job weighing. Last night they threatened to sue the Observer/Guardian to stop this story coming out. Maybe you can explain that one. https://t.co/RwlMeO6bQ7
— john mulholland (@jnmulholland) March 17, 2018
Facebook never fessed up to this until the Guardian and the Times were about to publish https://t.co/Hu8P0qm70e
— Blake Hounshell (@blakehounshell) March 17, 2018
Podemos falar do que é importante?
Depois dos factos emergirem e de se tornar indelével a associação do Facebook ao gigante escândalo, foi a vez dos principais nomes da empresa presentes no Twitter soltarem as primeiras reações. Além de Andrew “Boz” Bosworth, responsável pela divisão de AR/VR e também pelos anúncios do Facebook, também Alex Stamos, responsável de segurança, foi das vozes mais imediatas – a sua preocupação? Clarificar que não se tratava de um data breach.
E, embora esse detalhe possa parecer importante na óptica de um executivo do Facebook, rapidamente a comunidade se prestou a responder-lhe que isso lhes é indiferente e Alex acabou por apagar os tweets. Isto porque, quer os dados sejam obtidos através de uma invasão digital ou através de aplicações que não cumprem os termos e condições, o dano para o utilizador é o mesmo e isso não deve, portanto, diminuir a responsabilidade da empresa.
Here are @alexstamos now deleted tweets on the app Cambridge Analytica used to harvest millions of Facebook users' data. pic.twitter.com/jPwRHUyW1w
— april glaser (@aprilaser) March 17, 2018
This was unequivocally not a data breach. People chose to share their data with third party apps and if those third party apps did not follow the data agreements with us/users it is a violation. no systems were infiltrated, no passwords or information were stolen or hacked.
— Boz (@boztank) March 17, 2018
Snowden diz o que é certo não o que é seguro
Sempre que se fala de dados e privacidade, há uma referência incontornável. Edward Snowden passou o domingo ocupado com as eleições russas – sobre as quais também fez um tweet que se pode considerar histórico –, mas nem por isso desprezou este assunto capital. Para Snowden, mais do que uma vítima do esquema da Cambridge Analytica, o Facebook é um dos principais cúmplices.
A essa primeira reacção, o ex-funcionário da NSA, que em 2013 denunciou um dos maiores esquemas de vigilância massiva, ainda acrescentou um pensamento que não referindo directamente o acontecimento ajuda a reflectir sobre o momento e a partilha das nossas informações com as plataformas digitais: “As empresas que ganham dinheiro a recolher e vender detalhes de vidas privadas eram, em tempos, descritas como ‘empresas de vigilância’. O seu rebranding como ‘social media’ é o engano mais bem sucedido desde que o Departamento de Guerra [norte-americano] passou a Departamento de Defesa.” — recorde-se que, além do Facebook, também Twitter e Google seguem esse modelo de negócio.
Facebook makes their money by exploiting and selling intimate details about the private lives of millions, far beyond the scant details you voluntarily post. They are not victims. They are accomplices. https://t.co/mRkRKxsBcw
— Edward Snowden (@Snowden) March 17, 2018
Businesses that make money by collecting and selling detailed records of private lives were once plainly described as "surveillance companies." Their rebranding as "social media" is the most successful deception since the Department of War became the Department of Defense.
— Edward Snowden (@Snowden) March 17, 2018
Suspender o whistleblower
Se a gestão do assunto, como vimos, não foi a mais correcta ou pragmática, também o tratamento dado a quem denunciou o caso não é totalmente compreensível. Depois de ter feito capa um pouco por todo o mundo com as suas revelações, Christopher Wylie viu o seu perfil de Facebook suspenso, bem como o de Instagram. Por um lado, pode considerar-se esta uma medida preventiva, por outro, conforme o próprio Wylie refere, torna-se difícil perceber o porquê de o suspenderem agora que assume tudo o que fez se, segundo o comunicado oficial, conheciam as suas práticas desde 2014?
Downside to @facebook also banning me on @instagram is missing out on my daily dose of well curated food pics and thirst traps 😭😭😭 #millennial #whistleblower pic.twitter.com/P8AheOMWQI
— Christopher Wylie (@chrisinsilico) March 19, 2018
As consequências políticas
Para além dos efeitos imediatos e na própria rede social – como uma mais que provável série de comunicados a anunciar mudanças na política de gestão de dados –, este assunto estende a sua influência a campos com maior impacto na vida das pessoas. O caso da eleição de Donald Trump é o que está a gerar uma maior onda de reacções com representantes dos Democratas a chamar Alexander Nix, CEO da Cambridge Analytica, e Mark Zuckerberg para prestar declarações no congresso sobre esta matéria. Não se sabe ao certo que passos serão dados depois destas primeiras audições requeridas, certo é que o escrutínio sobre as redes sociais deverá agora atingir níveis nunca antes vistos.
Sen. @amyklobuchar just issued a statement calling for Facebook CEO Mark Zuckerberg to testify before the Senate Judiciary Committee pic.twitter.com/KUOGrmAUJb
— John Hendel (@JohnHendel) March 18, 2018
Numa última nota e como prova cabal do comportamento reprovável do Facebook, as acções da empresa estão desde a revelação do escândalo com um comportamento negativo em bolsa, tendo registado perdas na ordem dos 6%.